Para quem conhece um pouco da história econômica brasileira, não é surpresa que o conflito entre estabilização e ajuste estrutural jamais tenha nos abandonado. Tampouco surpreende que, desde os anos 70, a opção dos governos tenha sido sempre pela estabilização, muitas vezes fracassada. Na década de 80, Dionísio Dias Carneiro, o economista que mais falta faz para arejar as discussões econômicas brasileiras do momento — e que por tantos anos foi colaborador deste jornal —escreveu: “Os conflitos entre estabilização e ajuste estrutural, que caracterizariam a política econômica do governo Geisel teriam sido resolvidos em favor de uma estabilização mais drástica, aceitando-se um crescimento deliberadamente menor por dois anos, por exemplo, para realizar a expansão em bases mais condizentes com as possibilidades dos anos seguintes”. Era a época em que o Brasil saía do milagre para a dura realidade. A estabilização não se cumpriu da forma como se pretendia, e deu no que deu nos anos 80.
Quando Michel Temer assumiu a Presidência empossando seu novo ministro da Fazenda, o dilema perene entre estabilização e ajuste estrutural se impunha. Temer e Meirelles prometeram as duas coisas: estabilizariam a economia depois do desastre da gestão Dilma e fariam o ajuste estrutural necessário para aumentar o crescimento sustentável de médio/longo prazo.
Há controvérsias sobre a questão da estabilização. Os que defendem Temer-Meirelles argumentam que a inflação caiu, o PIB voltou a crescer e há motivos para acreditar na possibilidade de expansão mais vigorosa em 2018. Os céticos, dentre os quais me incluo, apontam que o crescimento do PIB não tem bases sólidas, e que qualquer expansão mais forte que venha a se concretizar em 2018 baterá em seguida no paredão da dívida pública crescente e dos déficits que Temer-Meirelles não equacionaram. Na verdade, como sabemos, Temer sacrificou o ajuste fiscal de curto prazo no altar de sua sobrevivência política. Já o ministro da Fazenda parece sacrificá-lo no altar de sua suposta candidatura presidencial.
Quanto ao crescimento econômico, estudo recente do Ibre/FGV sobre a destinação dos saques do FGTS é bastante revelador. A pesquisa mostra que, até julho, havia sido retirado das contas inativas montante equivalente a 2,7% do PIB do segundo trimestre (de acordo com os indicadores da própria FGV). Cerca de 28% desses recursos foram gastos em consumo, 30% em aumento de poupança, 38% em quitação de dívidas e 4,5% em “outros”. Em março, as pesquisas da FGV apontavam que a maior parte dos recursos liberados do FGTS seria usada para abater dívidas e que apenas 9,6% iriam para o consumo.
Pois bem, se 28% foram para o consumo, é possível que o impacto direto sobre o consumo das famílias no segundo trimestre tenha sido de 0,7% do PIB, ou a metade do crescimento de 1,4% observado no trimestre. Considerando que além dos efeitos diretos existam outros indiretos, é também possível que a liberalização do FGTS tenha sido a principal força propulsora do PIB no segundo trimestre, já que foi pela via do consumo que a economia se expandiu. Esse efeito, por óbvio, não é sustentável.
De resto, não há nada ocorrendo na economia brasileira que sugira crescimento sustentável a médio prazo, o que não quer dizer que não se possa crescer um pouco mais em 2018 do que em 2017. Para que a economia brasileira possa sustentar taxas de crescimento acima de 2% ao ano após 2018, há que se fazer o ajuste estrutural, hoje inexistente. Há, sobretudo, que se resolver o imenso problema fiscal que o próximo governo herdará de Temer-Meirelles, problema esse que pode pôr em risco a suposta estabilidade econômica que muitos parecem acreditar ter sido alcançada.
Dito de outro modo: é perfeitamente possível que o Brasil cresça 2% no ano que vem. O que não é possível é sustentar essa taxa de crescimento além do ano que vem sem o ajuste estrutural, sem a estabilização das contas públicas. Talvez tenha sido o reconhecimento de tamanha dificuldade que levou o ministro da Fazenda a pedir orações para a economia brasileira.
Orar não faz mal. Mas, o que realmente precisamos é de dirigentes que saibam dirigir o País com mão certeira e caminho bem traçado. Ou, nas palavras de Caetano Veloso:
“Vela leva a seta tesa
Rema na maré
Rima mira a terça certa
E zera a reza”.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 20/09/2017.
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