Surge finalmente a perspectiva de uma solução, ainda que não completa, para a crise na área do euro. É essa expectativa que vem animando os mercados de ativos, em especial as bolsas, como refletido na alta recente dos principais índices. O Dax, índice da bolsa alemã, por exemplo, subiu 14% nas duas últimas semanas. Ainda que as divergências entre Alemanha e França, que entrarão com a maior parte da ajuda, não estejam resolvidas e possam ainda motivar mudanças, já se pode vislumbrar que a estratégia a ser adotada terá quatro elementos principais.
Primeiro, os governos irão capitalizar os bancos. Para evitar explicitar a possibilidade de calote soberano nos exercícios de estresse, optou-se por mudar a regulação para exigir um nível de capitalização mais elevado, que, se especula, consistirá de um capital de nível 1 na faixa de 7% a 9%: quanto mais alta essa taxa, maior a capitalização adicional requerida. Os bancos devem ter de seis meses a um ano para obter esses recursos no mercado; caso não consigam, terão de obrigatoriamente receber recursos públicos.
Segundo, a dívida grega será reestruturada, com uma perda para os credores na faixa de 50%. Os governos falam de até 60%; os bancos dizem não topar mais de 40%. A ênfase na reestruturação “voluntária” visa evitar que os contratos de derivativos, em especial os credit default swaps, sejam acionados. Provavelmente, o modelo desenvolvido para a Grécia será depois utilizado para renegociar as dívidas de Portugal e Irlanda. A ideia de capitalizar os bancos antes visa evitar que as perdas daí resultantes provoquem uma crise financeira.
Terceiro, o European Financial Stabilization Fund (EFSF) será alavancado para garantir que as dívidas da Espanha e da Itália possam ser roladas nos próximos anos, mesmo que o mercado não esteja disposto a fazê-lo diretamente. Dessa forma se pretende evitar que a reestruturação da dívida grega e, possivelmente, de outros países pequenos da área do euro contamine as economias muito maiores de Espanha e Itália.
Quarto, em troca dessa ajuda, e sob a direção da Alemanha, os tratados da área do euro devem ser revistos para aumentar o poder dos organismos centrais sob a política fiscal e as contas públicas. Pretende-se dessa forma evitar que, uma vez a dívida renegociada, ou com sua rolagem garantida, os esforços de reforma e disciplina fiscal sejam abandonados. Além disso, será preciso dar ao contribuinte alemão, francês etc. alguma garantia de que a crise não se repetirá no futuro. O modelo adotado no Brasil, no governo FHC, com os contratos de renegociação de dívidas estaduais com a União e a Lei de Responsabilidade Fiscal é um bom parâmetro para o que deve ser feito, mas a isso se precisa adicionar o que já existia no Brasil: uma parcela de receitas coletada pelo poder central e depois distribuída aos governos devedores, que garanta o respeito aos contratos de renegociação.
Um programa com esse perfil pode estancar a crise, mas não todos os problemas. Assim, o crescimento do PIB europeu deverá continuar lento, conforme se implementam os programas de ajuste fiscal e os bancos reagem à necessidade de melhorar os indicadores de capital reduzindo ativos. Há pressão para que os países periféricos adotem reformas para melhorar o ambiente de negócios, mas esse é um processo lento na implementação e na obtenção de resultados. O programa também não resolve o problema da baixa competitividade de Grécia, Portugal e Espanha. Na impossibilidade de uma desvalorização cambial, serão necessários anos de alto desemprego para os salários caírem o suficiente para eles recuperarem a competitividade.
Além disso, os riscos de implementação são grandes, considerando a necessidade de aprovação das medidas em tantos parlamentos diferentes. Também se precisa considerar que o ambiente político não permanecerá estável, com o elevado desemprego, especialmente entre os jovens e os imigrantes, formando um terreno fértil para instabilidade e oposição às medidas de ajuste.
Também podem ocorrer mudanças no rating da Alemanha e, principalmente, da França, com impacto sobre o seu custo de captação e, indiretamente, a capacidade de bancar um programa mais ousado. Isso explica por que a França tem insistido em que seja o EFSF a capitalizar os bancos, em vez dos tesouros nacionais.
Não se pode descartar, portanto, que, apesar de conceitualmente adequado, o programa que começa a sair das reuniões dos líderes europeus não consiga ser implementado, com a crise tomando um caminho muito mais sério.
Fonte: Correio Braziliense, 26/10/2011
No Comment! Be the first one.