Um tema recorrente no debate público brasileiro e na academia é a relação entre desenvolvimento econômico e especialização produtiva. Ou seja, um país é rico em função do que produz ou outros fatores são causa tanto do crescimento econômico como da especialização produtiva?
Recentemente meu colega José Luis Oreiro, professor da UnB (Universidade de Brasília), circulou um gráfico que indicava elevada correlação –por volta de 40%– entre renda per capita e sofisticação da produção.
Nota-se que a Austrália é um caso à parte: apesar de ser uma economia com baixa complexidade produtiva –segundo a base de dados do gráfico de Oreiro–, apresenta elevada renda per capita.
Será que Austrália é “a exceção que confirma a regra”? Nunca entendi essa expressão. Do ponto de vista lógico, se há uma única exceção, não há regra a ser confirmada.
O que há é confusão entre causalidade e correlação. Temos o famoso caso do biscoito Tostines: fresquinho porque vende muito ou vende muito porque é fresquinho?
O pensamento econômico latino-americano considera que a correlação observada –que está longe de ser tão elevada assim– entre complexidade produtiva e renda per capita significa causa.
Ou seja, políticas para subsidiar investimentos em setores complexos e que, portanto, alterem a especialização produtiva da economia produziriam crescimento.
Programas com a Lei de Informática na década de 1980, o programa de renovação da indústria naval e o programa Inovar-Auto, que subsidia uma indústria nascente há mais de 60 anos, têm como pressuposto essa lógica.
Todos são um rotundo fracasso.
É estranho que as mesmas pessoas que observam causa na correlação entre “complexidade produtiva” e renda per capita nunca enfatizam a correlação entre o desempenho do sistema público de educação dado pelo Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), por exemplo, e o crescimento futuro das economias.
É razoável supor que um sistema de educação de elevada qualidade seja capaz de causar ambos: crescimento econômico e complexidade produtiva. Fato esse que será ainda mais verdadeiro se o país não for muito dotado em recursos naturais –pois, se assim for dotado, como é o caso australiano, haverá outras oportunidades de desenvolvimento econômico.
Adicionalmente, esse fato deve ser ainda mais verdadeiro se o país, além de ter um excelente sistema público de educação e de ser pobre em recursos naturais, possuir um setor público que gaste pouco com seguridade social –sendo, portanto, um país em que a carga tributária é baixa e a poupança das famílias é muito elevada.
Se o leitor lembrou do caso asiático (Japão, Coreia, Taiwan e China) não foi mera coincidência. Muita educação de qualidade –reduzindo o custo do trabalho qualificado– e muita poupança –o que reduz o custo do capital– estão na origem da complexidade produtiva.
Evidentemente, falar de escola e de poupança não é muito charmoso. Mais fácil ficar discutindo longamente sobre complexidade tecnológica e como temos que nos defender da exploração dos países centrais, ou qualquer outra bobagem conspiratória desse tipo.
O maior complexo de vira-lata é achar que o subdesenvolvimento não é responsabilidade nossa, mas sim fruto de algum mecanismo perverso de exploração das nações ricas.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 15/10/2017
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