Mola da grampola, rebimboca da parafuseta, ou ainda rosqueta da parafuseta. Alguém fora do círculo dos economistas está conseguindo entender o debate sobre a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP)? Fala-se de “custo de oportunidade”, de “subsídios implícitos”, santos ou não, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), da Geni da República, o BNDES. Mas, como é de hábito no Brasil, vão ficando de lado as questões mais importantes enquanto todos se perdem nos meandros das molas das grampolas.
A primeira questão importante são os fundos de poupança forçada criados há décadas para fins diversos. O FAT, para custear o seguro-desemprego, o abono salarial, parte dos empréstimos concedidos pelo BNDES. O FGTS para garantir ao trabalhador alguma renda em caso de demissões que não sejam por justa causa, e para financiar o crédito habitacional concedido pela Caixa Econômica Federal, além de vários outros usos a que foi submetido ao longo do tempo. O FAT, hoje, rende a TJLP, taxa determinada pelo Conselho Monetário Nacional e inferior às taxas de aplicação do mercado. O FGTS rende a taxa referencial – a TR calculada pelo Banco Central com base no rendimento de diversos ativos – acrescentada de 3%. Em ambos os casos, as taxas de remuneração são inferiores ao que se poderia obter caso tais fundos não existissem e os recursos fossem dados diretamente ao trabalhador para que pudesse escolher o que fazer com o dinheiro. Na época em que tais fundos de poupança forçada foram criados – há muitos anos – a justificativa era de que fazia-se necessário montar fontes de financiamento para a rede de amparo ao trabalhador, para programas sociais, e programas de desenvolvimento. Para que pudessem existir, impostos e fontes de receita foram também criados para viabilizá-los. Portanto, os fundos de poupança forçada, ainda que tragam alguns benefícios, geram distorções na economia brasileira. É preciso saber o tamanho dessas distorções e dos custos e benefícios desses fundos para que se tenha clareza sobre sua real necessidade. Isso é mais importante do que qualquer discussão sobre a parafuseta do custo de oportunidade atrelada à remuneração do FAT por TJLP ou TLP.
A segunda questão diz respeito à TJLP, ao crédito direcionado, e ao BNDES. No Brasil, cerca de metade do crédito do sistema financeiro é direcionado, proveniente, em grande parte, dos banco públicos – BNDES, Banco do Brasil, e Caixa Econômica Federal. A maior parte desses empréstimos é, de algum modo, vinculada à TJLP. Desse imenso universo de crédito direcionado concedido a uma taxa que a Selic não influencia, cerca de 14% são oriundos do BNDES. Os 86% restantes vêm de outras entidades do sistema financeiro. O proclamado fim da TJLP – algo necessário para remover a segmentação no mercado de crédito brasileiro e promover a convergência para taxas de juros mais baixas mediante a MP 777 que cria a TLP – só afetará esses 14% do BNDES. Por quê?
A terceira questão retorna ao FAT. Os recursos obtidos pelo BNDES do FAT e usados para emprestar ao custo TJLP correspondem a 7% do total de crédito concedido no País. Tal montante não merece sequer ser chamado de parafuseta.
Ressalto: nada disso tira a importância de acabarmos com subsídios onerosos aos cofres públicos, concedidos durante os anos Lula e Dilma a empresas com capacidade de financiar-se nos mercados local e internacional. Nada disso entra em conflito com a ideia correta de ter maior transparência nas contas públicas e na forma como o governo se vale do BNDES e de outros bancos públicos para alcançar certos objetivos. Os anos Lula e Dilma foram pródigos no uso indevido de bancos públicos, como tantas vezes escrevi. Contudo, parece que a discussão local sobre a TLP, ao concentrar-se em minúcias, o que é necessário, porém insuficiente, acaba por deixar de lado as grandes questões: precisamos de fundos de poupança forçada? O que queremos do BNDES e da Caixa Econômica Federal, cujo mandato foi desvirtuado nos anos Dilma. Por que não extinguimos o crédito direcionado?
Entre a mola e a grampola, seria importante que críticos e defensores de medidas diversas utilizassem o momento de discussão acirrada para refletir sobre questões mais amplas, maiores do que a parafuseta.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 23/08/2017.
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