Há um ano, o governo lançou um ambicioso e necessário plano de concessões visando à melhoria dos serviços de infraestrutura no setor de transportes. Sua execução foi entregue a uma equipe sabidamente em formação e carente de um conjunto mínimo de projetos e informações adequadas. Fora do plano, havia o discutível trem-bala, cuja implementação acaba de ser adiada.
Diante da precariedade dos estudos oficiais, fracassou em janeiro a tentativa de leiloar as rodovias BR-040 e BR-116, levando o governo a re-adequar o seu cronograma. Por causa da grande complexidade dos problemas envolvidos, as ferrovias continuam empacadas. Espera-se que os aeroportos do Galeão e de Confins sejam leiloados antes do fim de 2013.
É fato que o leilão das concessões das rodovias BR-262 e BR-050, marcado para o próximo dia 18, tem uma boa chance de ficar de pé. Graças à intensificação do diálogo entre o governo e empresários, parte das pendências surgidas nas discussões preliminares com os interessados teria sido sanada ao longo do ano que passou.
Só que o diálogo entre os segmentos público e privado precisa continuar presente com a mesma força da experiência recente, já que os problemas remanescentes são muitos e de grande complexidade, mesmo nos demais projetos de rodovias. Deve-se ter em conta, porém, que num processo de licitação de concessões de in-fraestrutura é muito difícil imprimir a celeridade que os dirigentes públicos – premidos pelo calendário político – às vezes procuram estabelecer, especialmente quando existem as fortes restrições que eles mesmos impõem à atuação dos segmentos envolvidos. Registre-se que, antes de 2015, mesmo na melhor hipótese de prazo dos leilões, pouco investimento se materializará no atual programa de concessões.
As análises e alertas contidos no livro que, na companhia de parceiros, escrevi e lancei há um ano no Fórum Nacional Especial do Inae/BNDES, continuam basicamente válidos (obtenha um exemplar por intermédio do e-mail: raul_velloso@uol.com.br). No Fórum deste ano (os convites podem ser obtidos pelo mesmo email), daqui a quarenta e cinco dias, chamarei a atenção para os problemas que ainda necessitam de atenção especial
Um é a já famosa “inversão de fases” que passou a ser adotada no Brasil. Na pressa para mostrar resultados antes das próximas eleições, os governos, em vez de seguir a sequência natural do processo de concessão – pré-qualificação/ plano de negócios/leilão – tendem a pôr o leilão à frente das demais etapas. Fazem isso mesmo sem força política para mais adiante desqualificar um concorrente que, tendo oferecido o menor custo do serviço, revele-se sem condições de executá-lo. Esses casos, tratados na literatura especializada como “concorrentes oportunistas” são muito comuns. Cabe reforçar a gestão pública, para os processos seguirem seu curso natural, sem o que investimentos de qualidade não se realizam.
O outro problema básico é a paradoxal eliminação da obrigatoriedade de apresentar planos de negócios nos leilões de concessão. A explicação que se dá é que isso evitaria demoradas disputas judiciais, desencadeadas por aqueles que se sentem prejudicados pelos resultados de leilões com inversão de fases. Os processos judiciais se baseariam no descumprimento de cláusulas obrigatórias do edital nos planos de negócios por parte dos concorrentes vencedores de leilões, a exemplo de casos já acontecidos. Na ausência desse documento de trabalho, não haveria como contestá-los. Se esse é o motivo, e dada a óbvia importância de se ter à mão algum plano de negócios, a saída seria fazer os leilões em sua sequência natural, em vez de inverter fases. Obviamente, leilões bem feitos tendem a diminuir a incidência dessas disputas.
No entanto, o interesse para eliminar os planos de negócios parece ser o de o poder conce-dente impedir que futuros reequilíbrios de contratos de concessões, mesmo amparados legalmente, se deem com base em parâmetros que lhe desagradem. Por exemplo, se não se sabe qual a taxa de retorno da proposta vencedora – que só o plano de negócios original mostraria -, fica mais fácil tentar impor posteriormente ao concessionário uma taxa definida conforme o entendimento exclusivo do poder concedente. As condições em que a decisão do investidor ocorreu, quando da proposta apresentada, eram, como é óbvio, completamente diferentes das futuras, e caso seja necessário um reequilíbrio econômico e financeiro, a Constituição no seu artigo 37, inciso XXI, cuida de proteger o direito das partes.
No momento atual, o governo procura impor aos concessionários as menores tarifas – e, portanto, as menores taxas de retorno – imagináveis, o que quase sempre é inviável, diante das alternativas de negócio existentes. Ao aumentar as taxas de retorno de 5,5% para 7,2% ao ano nos seus cálculos de tetos tarifários para os leilões da safra atual, o governo certamente andou na direção de maior realismo, mas isso é apenas um passo. Há muito mais o que fazer.
Fonte: O Globo, 09/09/2012
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