Choques econômicos produzem mudanças de preços nos mercados. Os chamados preços relativos são importantes válvulas de ajuste para levar a economia para seu novo equilíbrio de forma eficiente. Porém, há algo maior ocorrendo na crise atual. Alguns preços exibem dinâmica que denunciam problemas na política econômica.
Quando ocorre uma quebra de safra, por exemplo, o aumento de preços agrícolas permite eliminar o excesso de demanda em relação à menor oferta. Ações governamentais para conter altas de preços podem trazer alívio aos consumidores no curto prazo, mas desestimulam a produção, contratando um problema maior adiante.
Muitas vezes, há rigidez de preços, como nos salários, o que dificulta o corte da folha de empresas que enfrentam queda no faturamento. Com leis trabalhistas flexíveis, o ajuste é mais rápido e o novo equilíbrio será com menos desemprego.
Nesta crise, teria sido importante reduzir adicionalmente as amarras nas relações trabalhistas, ao menos durante a calamidade pública, para permitir cortes de salários fora do programa de sustentação do emprego do governo. Um tema que, certamente, demandaria muito diálogo com o STF e o Congresso.
A taxa de câmbio é um importante preço na economia. Com a piora das condições econômicas e a busca de portos seguros por investidores, a cotação do dólar sobe. Como resultado, há uma melhora do saldo comercial, suavizando o ciclo econômico.
A pressão cambial nos últimos meses, no entanto, não reflete mais o choque da pandemia, sendo muito mais uma reação aos equívocos do governo, principalmente na falta de compromisso crível com reformas fiscais estruturais, que se tornaram ainda mais urgentes com a crise. O real descolou-se muito do patamar e da tendência média de moedas de países emergentes. Não se trata de mero ajuste a um choque transitório, mas sim uma pressão mais perene, que denuncia problemas na política econômica, o que impacta a inflação.
A ideia de muitos analistas de que a deterioração fiscal não geraria qualquer risco inflacionário, devido à fraqueza da economia, mostrou-se precipitada. Por outro lado, é curioso que alguns vejam o câmbio e a inflação como parte do ajuste fiscal.
É verdade que, diferentemente do passado, quando a alta do dólar agravava o quadro fiscal, agora ocorre o oposto. A dívida líquida do governo cresce menos com a alta do câmbio, pois o valor das elevadas reservas internacionais em reais aumenta. E alta da inflação no atacado, puxada pelo câmbio, ao inflar o PIB nominal (a inflação da economia como um todo sobe mais que a inflação ao consumidor), reduz a dívida como proporção do PIB. Em um exercício simples, a cada 10% de depreciação cambial, com Selic (por ora) estável, a dívida líquida/PIB cai em torno de 1pp. Há, portanto, um pequeno “refresco” de curto prazo, mas, sozinha, a depreciação não impede o crescimento da dívida ao longo do tempo.
Alguns acreditam que a inflação mais elevada ajudaria a reduzir o déficit público, em uma alusão ao passado, quando a inflação corroía as despesas e preservava a arrecadação. Não mais, pois há elevada indexação de despesas. Em 2019, as despesas corrigidas, direta ou indiretamente, pela inflação chegaram a 68% do total.
Além disso, a aceleração da inflação aumenta o desafio para cumprir a regra do teto, pois o teto de despesas no orçamento é calculado com base na inflação anual em junho do ano anterior, enquanto boa parte das despesas é indexada ao salário mínimo, corrigido pela inflação (INPC) do final do ano.
Reações equivocadas ao choque fazem com que ajustes da taxa de câmbio sejam mais intensos, atrapalhando a superação do próprio choque, por conta da inflação e da elevada volatilidade cambial. Não estamos diante apenas de um quadro de ajuste transitório para um novo equilíbrio da economia, mas, sim, de algo mais preocupante: o enfraquecimento dos alicerces da economia pela falta de perspectiva de reformas.
Fonte: “Estadão”, 12/11/2020
Foto: Gabriela Biló/Estadão