Como definido pela Constituição, as CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) são instrumentos do Poder Legislativo com finalidade investigativa. Podem ser instauradas tanto pela Câmara quanto pelo Senado, com diversos objetivos, tais como: fiscalizar o Executivo, pressionar o Judiciário ou encaminhar situações ao Ministério Público para abertura de processo criminal ou civil. Mais raramente, também são usadas como espaço para debates prévios à apresentação de propostas legislativas. Durante uma CPI, alguns mecanismos tipicamente judiciais – como a quebra de sigilo bancário ou eletrônico – são permitidos. No entanto, na prática, essas comissões acabam desempenhando papéis que ultrapassam a investigação formal.
Do ponto de vista institucional, as CPIs também atuam como ferramentas de pressão para que o Ministério Público ou o Judiciário iniciem processos formais. Embora a ação possa ser útil em situações emergenciais, muitas vezes acaba por trazer à tona temas que são pontos de partida fortes para debates políticos controversos. Como consequência, outros processos de maior relevância são deixados em segundo plano ou até mesmo engavetados. Em determinados contextos, essa atitude é utilizada pelo Legislativo para demonstrar poder frente ao Judiciário, pressionando-o a alterar seu planejamento. Porém, quando a comissão não apresenta resultados concretos, essas ações podem descredibilizar ambas as instituições, reduzindo a legitimidade do processo e a confiança da população nesses instrumentos.
Recentemente as CPIs ganharam ainda mais notoriedade com a abertura da CPI das bets – que ficou famosa principalmente pelo envolvimento da influencer Virgínia. O tema passou a movimentar as redes sociais e, agora, os feeds estão repletos de conteúdo sobre o assunto: seja para atualizações, para comentários sobre falas de envolvidos ou análises da situação. Mas o que muitos não compreendem é o que, afinal, são CPIs e para que servem, e se os envolvidos estão sendo de fatos julgados e correm o risco de prisão ou multa. O fato é que o funcionamento, os objetivos e os resultados desses instrumentos parlamentares ainda são pouco conhecidos e mal compreendidos pelo público geral.
Todas as sessões das CPIs são públicas e, muitas vezes, envolvem pessoas reconhecidas pelo grande público. Isso faz com que as comissões assumam uma essência quase teatral, onde os depoentes podem ganhar notoriedade, simpatia ou aversão do público, ou se tornar protagonistas de discussões que ultrapassam os campos político ou jurídico. Nessas sessões, as testemunhas tentam provar sua inocência e podem convencer a opinião pública disso ou acabar assumindo alguma culpa. Embora pareça inofensivo – por não haver punição em uma CPI -, caso haja um desdobramento judicial, isso pode dificultar a tomada de decisão técnica e constitucional por parte do Judiciário. Unido ao fato de que os parlamentares podem autorizar quebra de sigilos, surgem dúvidas: onde termina a tarefa de legislar e investigar e começa o ato de julgar? Será que, ao tentar investigar um tema, as CPIs não acabam moldando a opinião pública de acordo com narrativas previamente estabelecidas?
Por causa da visibilidade e da cobertura midiática, torna-se comum a elaboração de narrativas para os debates e testemunhos anteriormente às sessões por parte dos envolvidos. Esse movimento se intensifica com as discussões nas redes sociais e com a ampla cobertura da grande mídia. Embora o acesso antecipado à informação possa manter a população mais bem informada, isso também dá à mídia o poder de influenciar a opinião pública, fazendo com que muitos já tenham opiniões antes mesmo da análise jurídica. Soma-se a isso o receio de que a teatralidade da situação possa moldar a percepção e a imagem dos acusados antes do julgamento jurídico, prejudicando a imparcialidade do processo.
No geral, as CPIs cumprem um papel relevante ao esclarecer fatos e oferecer informações – tanto ao Legislativo quanto à sociedade – antes de processos formais. Elas também podem ser ótimos instrumentos políticos de pressão e acelerar pautas no Jurídico. No entanto, na prática, vemos com frequência que o espetáculo sobrepõe a política, reduzindo a efetividade investigativa dessas ações. Diante disso, vale avaliar se elas ainda detêm o papel institucional para o qual foram criadas e se os seus efeitos, muitas vezes mais simbólicos do que concretos, ainda colaboram com o cenário político e jurídico brasileiro. O protagonismo recente desses instrumentos pode ser uma oportunidade para avaliar a sua forma e a sua função no debate público e no equilíbrio de poder.