Na Grécia antiga, durante os Jogos Olímpicos, um ancião implorou aos atenienses por assento, sendo devidamente ignorado. Repetiu o pedido a outras delegações, obtendo a mesma resposta. Ao se aproximar, contudo, da delegação espartana, antes que pudesse abrir a boca, todos se levantaram para lhe dar lugar, gerando aplausos dos demais. O velho teria, então, se virado à arena e bradado: “Todos os gregos sabem o que é correto; todos os gregos sabem, mas apenas os espartanos escolhem fazê-lo!”.
A história é provavelmente falsa, e não me espantaria se tivesse sido criada por algum espartano, mas, em tempos de crise europeia, cujo foco se espalha precisamente a partir da Grécia, não há como deixar de reconhecer na lenda o tema da distância entre o necessário e aquilo que os líderes estão dispostas a fazer.
Digo isso porque, às vésperas de mais uma cúpula europeia, sabemos todos o que é preciso para lidar com a crise que assola o continente desde que a Grécia revelou as condições trágicas das suas finanças.
Entretanto, não parece haver espartanos preparados para tomar as difíceis decisões que poderiam estancar o processo que vem minando há quase dois anos a arquitetura monetária e a própria união continental.
De fato, ao longo dos últimos meses algumas verdades parecem ter emergido. Em primeiro lugar, que a situação grega (caso restasse alguma dúvida) é insustentável: a dívida é muito alta, seu custo, exorbitante, e o baixo crescimento (na verdade, contração) do produto não permite nem que seja diluída num PIB (Produto Interno Bruto) mais elevado nem que a arrecadação de impostos aumente o suficiente para pagar as despesas correntes -quanto mais abater a dívida.
Por qualquer ótica, o país aparenta ser capaz de servir apenas uma dívida talvez equivalente à metade do seu valor atual, sendo, pois, forçado a uma reestruturação radical do seu passivo.
Em tais circunstâncias, o direcionamento de novos recursos para a Grécia seria mero desperdício de dinheiro. A segunda verdade é que, muito embora economias grandes como Espanha e Itália enfrentem perda de confiança similar à sofrida pelos gregos, sua situação fiscal não é, de forma alguma, tão dramática quanto a helênica. A Itália apresenta uma relação dívida/PIB muito alta, mas seus resultados fiscais correntes são os melhores entre as principais economias da zona do euro.
Já a Espanha, embora ainda apresente deficit fiscais consideráveis, deve proporcionalmente menos do que a poderosa Alemanha. Como tentei traçar o paralelo nesta coluna, ambos os países se assemelham a bancos solventes, mas vulneráveis a uma “corrida” contra suas dívidas. Nesse caso, seria possível “isolá-los” de um eventual contágio grego por meio de um mecanismo de garantia a suas dívidas que mobilizasse recursos bastante superiores aos hoje disponíveis no Fundo Europeu de Estabilização (EFSF) -cerca de € 250 bilhões.
Já os bancos europeus (gregos à parte) poderiam suportar as perdas associadas à reestruturação da dívida grega e, caso o EFSF tenha sucesso em evitar o contágio, não haveria motivo para esperar perdas adicionais. Ainda assim, seria prudente, no mínimo, elevar o capital dos bancos, evitando que a desconfiança migrasse mais uma vez para o setor financeiro.
Dadas essas quatro verdades, também não seria difícil concluir o curso lógico de ação: permitir a reestruturação da dívida grega e aumentar o poder de fogo do EFSF, seja para proteger os demais soberanos do colapso grego, seja para, se requerido, injetar o capital adicional nos bancos.
Obviamente, tais medidas não resolveriam os problemas de competitividade na periferia europeia, mas, ao menos, estancariam a sangria a que a região tem sido submetida. A verdade é que todos sabem o que é necessário para evitar o pior na Europa; só não têm a coragem de pagar o custo político de fazê-lo. Fazem falta os espartanos.
Fonte: Folha de S. Paulo, 26/10/2011
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