* Por Diogo de Castro Ferreira, especialista em direito tributário
Muito se tem discutido sobre a importância das reformas para o futuro do Brasil. Sem dúvidas, uma virada significativa rumo ao crescimento econômico e à redução da pobreza passa, necessariamente, por algumas reformas estruturais. Será que uma dessas reformas deveria se dar em nosso sistema tributário? Minha resposa é um sonoro “sim”, pois hoje ele é uma máquina com engrenagens especialmente desenhadas para prejudicar os mais pobres. Abaixo elenco e explico quatro elementos que reforçam essa tese:
1- Regressividade do sistema tributário
Traduzindo do “juridiquês”: um sistema tributário regressivo é aquele cujo impacto tributário se apresenta de maneira inversamente proporcional à renda das camadas populacionais. Isso mesmo: quanto mais pobre é o indivíduo, mais tributos ele paga em relação ao dinheiro que conta para sobreviver.
Uma importante pesquisa do IPEA (1) demonstrou que o sistema tributário brasileiro é regressivo ao ser tomada como base a renda. A pesquisa concluiu que isso se deve, em grande parte, aos impostos indiretos, mais especificamente a três: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Esses tributos são embutidos no preço final dos produtos e, por óbvio, gera um impacto muito maior no bolso da população de baixa renda.
Essa situação está estritamente ligada a uma forte ênfase na tributação sobre o consumo através da tributação indireta. Para se ter ideia, de acordo com dados da Unafisco Sindical (2), a tributação sobre consumo representa mais de 2/3, ou seja, 67,2% da carga tributária brasileira. A situação se intensifica quando se é levado em conta a tributação sobre a renda do trabalho, que perfaz 10,9% da nossa arrecadação. Isso significa dizer que 78,1% dos tributos brasileiros são pagos pelos consumidores e pelos trabalhadores assalariados.
2- Falta de atualização dos valores contidos na tabela do Imposto de Renda
Quem pensa que as distorções tributárias param nos tributos indiretos está enganado. Outro ponto que merece destaque é a falta de atualização da tabela do Imposto de Renda.
Para ficar bem claro, existe uma tabela progressiva de Imposto de Renda para as pessoas físicas. Isso significa dizer que há uma escala que dispõe que quanto maior é a renda auferida em determinado ano, maior é a alíquota a se pagar. Existe também uma faixa de isenção que estipula um limite de renda a ser auferida, dentro do qual a pessoa fica isenta de pagar o imposto.
A última correção da tabela se deu em 2015 e mesmo assim foi abaixo da inflação. Em vinte anos, a diferença entre a inflação do período e o reajuste da tabela ficou em 83%. Se fizermos as contas, de acordo com a tabela vigente, um trabalhador que recebe salário acima de R$ 1.903,98 paga Imposto de Renda. Caso a tabela tivesse sido corrigida pela inflação desse período, pagariam o imposto apenas aqueles que ganham acima de R$ 3.454,66.
3- Não existe um critério lógico na aplicação do princípio da seletividade
Mais uma vez é preciso descomplicar o dialeto próprio dos juristas e explicar, de maneira simplista, o que é o princípio da seletividade. Ele significa que quanto maior é a essencialidade de um bem, menor será a sua alíquota e, quanto menos essencial, maior deve ser a alíquota a incidir.
A nossa Constituição estabelece, por exemplo, que o IPI deve ser seletivo e que o ICMS poderá ser. Para se ter uma ideia, quando analisamos a tributação da cesta básica (3) chegamos aos alarmantes números: achocolatado: 38,06%; Açúcar: 30,60%; Arroz: 17,24%; Biscoito: 37,30%; Carne Bovina: 23,99%; Farinha de Trigo: 17,34%; Feijão: 17,24%; Frango: 26,80%; Iogurte: 33,06%; Macarrão: 16,30%; Leite em Pó: 28,17%; Amido de Milho: 33,87%; Margarina: 35,98%; Óleo de Cozinha: 22,79%; Ovos de Galinha: 20,59%; Pão Francês: 16,86%; Verduras: 19,98%.
Outro exemplo é a carga tributária que incide sobre a energia elétrica, bem incontestavelmente essencial. Em um levantamento, feito com dados da International Energy Agency (IEA) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) (4), constatou-se que o Brasil ocupa o segundo lugar em um ranking de 28 países que mede as maiores cargas tributárias sobre a energia elétrica.
4- O Brasil lidera o ranking mundial de impostos sobre o trabalhador (UHY)
Um estudo da UHY (5) mostra que o Brasil lidera o ranking mundial de tributação sobre os trabalhadores. Isso mesmo. De acordo com a pesquisa, a média mundial de custos extras cobrados em impostos é de 25% do salário anual que um trabalhador recebe. Já no Brasil, esse percentual chega a 57,56%.
A pesquisa elaborou rankings para salários anuais de 30 mil dólares, 75 mil dólares e 300 mil dólares, pois alguns tributos podem variar de acordo com o salário pago nos países. O Brasil lidera esse ranking nas três categorias, estando muito acima da média mundial.
Os desafios são inúmeros, e os interesses, difíceis de conciliar quando o assunto é a aprovação de uma reforma tributária no Brasil. Alguns projetos tramitam na Câmara, o principal deles talvez seja a PEC-31/2007. Entretanto, existe uma grande distância entre a ideia de uma reforma e a sua implementação.
Referências:
(1) – IPEA, Análise da progressividade da carga tributária sobre a população brasileira.
(2) – UNAFISCO SINDICAL, 10 anos de Derrama
(3) – Quanto pagamos de impostos? Publicado em 23/10/2015. Disponível em: . Acesso em 28/11/2017.
(4) – Brasil tem a segunda maior carga tributária em energia elétrica, diz estudo – Publicado em 28/11/2016. Disponível em: . Acesso em 28/11/2017.
(5) – http://www.uhy.com/employers-now-pay-average-employment-costs-worth-nearly-25-of-employees-salaries/
Fonte: “Terraço Econômico”, 12/12/2017
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