Por Carlos Souto
A terceirização não é o assunto. Levá-la a tema de interesse nacional, então, tendo até a presidente da república se manifestado a respeito, beira o absurdo. Tão absurdo quanto ver a terceirização como tema de programa de partido político, em rede nacional, com o infeliz intuito de, uma vez mais, colocar uns contra os outros. Não somos atrasados como somos por acaso.
O surgimento da terceirização, no início dos anos 90, visava apenas a abrir os olhos daqueles que manejavam o direito do trabalho, tentando atenuar os excessos ideológicos na aplicação das regras que orientavam, de forma cogente, as relações trabalhistas. E o risco, naquela época, era evidente, pois vigorava um enunciado de súmula do TST, de número 256, que admitia uma interpretação pela qual a terceirização de serviços só poderia ocorrer na atividade de vigilância. Nada mais.
[su_quote]O assunto, de fato, é a incapacidade de convivermos com a liberdade, como aquela que deve necessariamente ser garantida aos homens de negócios, empreendedores e empresários, assim como àqueles que estão no mercado de trabalho[/su_quote]
A sua redação era, de fato, muito ruim, mas havia uma palavra (“interposta”) que, se bem compreendida, permitiria o convívio tranquilo entre o avanço na gestão das empresas e o Enunciado. Mas o risco decorrente da compreensão equivocada do texto e a natural insegurança jurídica brasileira não recomendavam tal tranquilidade.
E o risco era ainda maior porque o Brasil passava por uma importante mudança. Vivia-se uma época de abertura econômica, pela qual, para nossa sorte, ampliava-se a competição entre as empresas, brasileiras ou não, proporcionando-se aos consumidores melhores produtos e serviços a preços mais competitivos. As empresas precisariam, assim, desenvolver novas ferramentas de gestão para melhor servir e atender, sob pena de desaparecerem. A contratação de fornecedores de serviços melhores e mais baratos (ou só melhores, ou só mais baratos) passou a ser, em maior escala, um dos caminhos estratégicos eleitos pelas empresas para o aprimoramento do seu processo produtivo.
Dado o risco dessa descentralização ser vista como ilegal, o instituto da terceirização foi criado e ganhou naturalmente ampla visibilidade, sendo incorporado até pelos melhores dicionários da língua portuguesa. Foi quase uma estratégia de marketing. Afinal, nada mais absurdo do que supor que as empresas estariam impedidas, quando inexistente a fraude, o dolo, a má-fé, de contratar quem quer que fosse. Até porque contratações de terceiros antecedem a existência das próprias empresas. É um fato da vida.
Ao se solidificar, a terceirização impôs uma alteração na jurisprudência do TST, que, por intermédio do Enunciado de súmula 331, revogou o Enunciado 256. Com uma redação um pouco melhor, mas ainda assim precária, o novo Enunciado assegurou que não se poderia terceirizar apenas a atividade-fim das empresas.
Ao fazê-lo, resolveu um imenso problema que não precisaríamos ter, agregando mais segurança jurídica. Mas, vê-se agora, criou outro. E o novo problema, por não termos memória, tem a mesma raiz do anterior, que é a sujeição das empresas aos excessos ideológicos daqueles que aplicam as normas trabalhistas.
A ninguém deveria ser dado discutir o que pode ou não ser contratado, seja atividade-fim ou meio. Inclusive porque é improvável que alguém saiba o que é a atividade-fim. Querer precisá-la como um conceito estático é simplesmente negar outro fato da vida, que é a dinâmica dos mercados, o avanço tecnológico e a transformação das empresas e dos negócios.
Leia-se, para tomar apenas um exemplo, a incrível história da GE sob o comando de Jack Welch. Foram 20 anos de conquistas extraordinárias, muitas, até hoje, objeto de estudo nas melhores universidades mundo afora. E essas conquistas, que transforaram o conceito de gestão e liderança empresarial no mundo, só foram possíveis graças às transformações que a própria empresa, com muita velocidade, se impôs.
Atuasse essa empresa apenas no Brasil, apresentaria, provavelmente, graças aos nossos não assuntos, um desempenho medíocre, sem gerar riquezas para a sociedade, valor para os seus acionistas, benefícios para os seus consumidores e colaboradores.
A terceirização não é o assunto. O assunto, de fato, é a incapacidade de convivermos com a liberdade, como aquela que deve necessariamente ser garantida aos homens de negócios, empreendedores e empresários, assim como àqueles que estão no mercado de trabalho. O assunto é a arrogância irresponsável daqueles que legislam. O assunto é o cinismo dos sindicatos que, para preservarem suas bases políticas e financeiras, fruto de monopólio concedido por lei (e não por mérito), não querem perder poder, custe o que custar. O assunto também é o atraso da legislação trabalhista brasileira que, no limite, faz tudo menos efetivamente proteger o emprego, apregoando, em erro crasso de perspectiva e a custos estratosféricos, que uns tidos erroneamente por coitados têm de ser protegidos de outros, equivocadamente tidos por perversos. O assunto, e aqui concluo, é a nossa incrível tolerância com os erros, com a perda de oportunidades e com o atraso. Há um outro caminho, virtuoso, à disposição. Aliás, sempre esteve. Mas insistimos em errar as escolhas, em viver menos felizes. Esse, sim, é o assunto.
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