Após tantas investigações policiais e diversos processos criminais já instaurados, importante refletirmos sobre as possíveis consequências institucionais do complexo e sinuoso mecanismo de combate à corrupção atualmente em curso no Brasil. Inicialmente, oportuno destacar que crimes de poder são cometidos justamente na crença da impunidade dos poderosos. Quando a política se une ao dinheiro, o céu desce à terra, anestesiando o espírito crítico e calando a razão pensante. Se a ganância seduz, o crime enterra.
Nesse ambiente transcendental, corruptos e corruptores passam a cheirar cifras como se fosse cocaína, caindo, na primeira inalação, em dependência profunda. Com o tempo, passam a criar um fantasioso mundo próprio, pensam que não mais existem leis e vivem como se não houvesse o amanhã. Enquanto a farra permite, a ilusão vai longe.
Aí, surgiu uma inesperada Operação Lava-Jato que implodiu com as peças do cassino brasileiro. Até agora, muitos seguem sem entender nada. Mas, então, o que houve, afinal?
Simples: acharam o fio da meada e resolveram espremer o lado que não tem foro privilegiado. Após o insucesso das tradicionais tentativas de panos quentes, a ponta corruptora começou a falar. E, quando o pacto de silêncio é rompido, o esquema desaba em efeito dominó.
Aqui chegando, a colenda Suprema Corte fica numa situação de extremo desconforto. Sabidamente, a corrupção é um crime de duas pontas e, se o lado corruptor já disse que pagou e mostrou as provas do pagamento indevido, não há como deixar de condenar a face corrupta do poder. No entanto, os processos contra políticos andam devagar, quase parando. No cair do Sol, fica a impressão de que o foro privilegiado seria uma espécie de manto de impunidade, protegendo a classe política da séria aplicação da lei.
Sim, o recente fenômeno de maxicriminalização da política acabou por abarrotar o colendo Supremo Tribunal Federal com procedimentos judiciais absolutamente incompatíveis com sua estrutura jurisdicional. Na verdade, jamais se pensou que chegaríamos a dias políticos tão baixos com a consequente vulgarização do nobre instituto do foro especial. E, por assim ser, uma política vagabunda não faz por merecer o privilégio de ser julgada pela mais alta corte da Justiça brasileira.
Sem cortinas, o combate eficaz à desonestidade pública exige a constituição de instituições fortes, sérias, atuantes e independentes. A corrupção é uma engrenagem delitiva permanente e infatigável que, na primeira brecha, volta a se estabelecer, cavando raízes profundas. De nada adianta comemorar vitórias pontuais, pois eles são rápidos no gatilho. Aliás, de Brasília, já não sopram ventos de uma anistia de empreitada?
Fonte: “Estado de Minas”, 24 de março de 2017.
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