Há algo comum entre Jason Vorhees, Freddy Krueger, Michael Myers e certas afirmações econômicas: não importa quantas vezes sejam mortos, seguem aparecendo, sem jamais se dar ao trabalho de explicar como renasceram.
Uma dessas ideias, divulgada com mais frequência do que recomendável, diz respeito à suposta alternativa portuguesa à austeridade fiscal e seu imenso sucesso, em geral acompanhada da sugestão de que o Brasil persiga caminho semelhante, muito mais fácil do que a penosa busca pela redução de gastos.
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Para deixar claro desde o início, trata-se de uma falsidade e, o que é pior, uma falsidade facilmente demonstrável com não mais do que alguns minutos dedicados à nobre (e tão vilipendiada) tarefa de procurar os dados no sítio da OCDE (e devidamente cruzados com números provenientes do FMI, para termos mais confiança acerca da sua consistência).
Pois bem, depois desse imenso esforço de pesquisa, descobrimos que em seu pior momento (2010) o deficit português superava 11% do PIB; já no ano passado, registrou valor equivalente a 2% do PIB, o menor da série histórica, iniciada em 1995.
Na verdade, exceção feita a 2014, o deficit caiu de forma contínua de 2010 em diante, revelando que —a despeito da troca de governo em 2015— não houve mudança de rumo na política fiscal, muito pelo contrário.
Sim, há quem possa contra-argumentar que a melhora das contas públicas teria sido resultado da própria recuperação da economia e que, portanto, a redução do deficit não teria se originado das decisões de política, isto é, teria ocorrido mesmo sem medidas de austeridade.
Noto, porém, que o desemprego em Portugal hoje, pouco abaixo de 10% da força de trabalho, não difere muito do registrado em 2010, embora tenha caído cerca de sete pontos percentuais desde meados de 2013 (quando o deficit já havia caído a menos da metade do observado em 2010).
Posto de outra forma, é possível (e até provável) que a retomada da economia tenha contribuído para reduzir o buraco nas contas públicas, mas a magnitude da melhora fiscal é muito maior do que a que resultaria apenas do crescimento mais rápido.
A excitação acerca da experiência portuguesa provém da mudança política acima mencionada. Naquele momento, muito embora a centro-direita tenha obtido a maior votação, não conseguiu formar o governo, que acabou nas mãos da coalizão de esquerda liderada pelo Partido Socialista. Apesar disso, como se vê, acabou por manter a austeridade.
Muito menos atenção se dá, por exemplo, à vizinha Espanha, que se recuperou de forma semelhante (lá o desemprego caiu os mesmos sete pontos percentuais entre 2013 e 2017), enquanto o deficit fiscal foi reduzido de 11% do PIB em 2009 para 4,5% do PIB no ano passado.
A Espanha manteve a austeridade e retomou o crescimento, mas, por se tratar de continuidade (ainda que minoritária) da administração de centro-direita que governa o país desde a eclosão da crise, sua experiência tem sido convenientemente ignorada pelos adversários do ajuste fiscal.
Isso dito, não tenho a menor ilusão de ter matado mais um zumbi. Como no debate econômico brasileiro o que menos importa é a evidência empírica (e sim, a “narrativa”), não tenho a menor dúvida de que ainda ouviremos falar da “alternativa portuguesa”.
A desonestidade é imortal…
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 13/09/2017
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