Vivemos tempos difíceis. A crise, eclodida em setembro de 2008, ainda não foi superada e as recuperações pontuais ocorrem de forma errática e sem consistência. Nos mercados, inclusive, comenta-se sobre a tese de um novo mergulho recessivo, com as economias mais impactadas pelos corolários da crise, incorporando mais uma recessão e o ritmo de crescimento mais se parecendo com um “W”.
Na Europa, infelizmente, não dá para afirmar que o pior já passou. Preocupa a situação de todos os PIIGS, com especial atenção para a Espanha, não sendo difícil prever a necessidade de um aporte de recursos junto ao pacote de estabilização da União Europeia – European Financial Stabilization -, mobilizando €750 bilhões. Cogita-se que este deva chegar a € 250 bilhões. Importante salientar, também, o peso deste país sobre a região, muito maior do que a Grécia, por exemplo.
No resto da zona do euro, dentro dos vários pacotes fiscais anunciados, alguns mais tímidos, outros mais agressivos – o último anunciado pelo Reino Unido -, fala-se de congelamento de salários dos servidores públicos, corte de subsídios, aumento de impostos, ampliação do tempo para aposentadoria, dentre tantas medidas impopulares, mas saneadoras.
Com isto, muitos protestos acontecem nas principais cidades da Europa, acarretando em mais desgaste político para os governantes. Importante reconhecer que estes pacotes só são passíveis de aprovação se os governos atuais tiverem boa base política de sustentação. Ou seja, terem apoio da sociedade. Caso contrário, corre-se o risco de se abrir espaço para futuros governos populistas. A crise, então, além de econômica e financeira, é também de governabilidade.
Para piorar os ânimos, estudo recente do BCE afirma que o sistema financeiro da região esteve prestes a entrar em colapso neste ano, sendo destaque a situação delicada dos bancos espanhóis.
Os três principais países da região, Itália, Reino Unido e Alemanha, por exemplo, possuem operações bancárias no total de US$ 590 bilhões na Espanha. Além disto, os bancos espanhóis possuem cerca de US$ 110 bilhões emprestados a bancos portugueses. Ou seja, tem-se um complexo entrelaçamento de operações entre os bancos da região, com todos carregando títulos públicos entre si.
Assim sendo, não seria absurdo prever um longo período de estagnação da região, a exemplo do ocorrido com o Japão nos anos 90. A população segue muito endividada, o que deve segurar a retomada do consumo, com a poupança mantida em patamares altos. Mesmo com as políticas monetárias extremamente frouxas, as pessoas se negam a voltar a consumir, o que pode jogar a região na famosa “armadilha da liquidez”.
Na Ásia, de novidade tem-se o anúncio do Banco Popular da China de que iniciará uma gradual e duradoura flexibilização do regime cambial do País. A apreciação do yuan deverá ser lenta, sem grandes solavancos, com a saída da órbita do dólar e a negociação a partir de uma “cesta de moedas”.
Lembremos que desde meados de 2008 o yuan vem se mantendo estável, próximo a 6,8 por dólar, acarretando na sua depreciação, tornando as exportações chinesas competitivas. Antes de junho de 2008, nos três anos anteriores, porém, se valorizou 21% – ver gráfico ao fim.
Na verdade, a China vem se mantendo mais competitiva com o uso desta política cambial, na qual a moeda é mantida artificialmente desvalorizada, mas também pela manutenção de uma mão de obra abundante e barata. Com isto, vem abocanhando com suas exportações “competitivas” vários mercados, como o norte-americano, o europeu e de grande parte da Ásia.
Com a crise atual, onde os países desenvolvidos, como EUA e os da zona do euro, patinam no baixo crescimento, a necessidade de voltar a exportar se torna premente, daí esta pressão em torno do regime cambial chinês. Por outro lado, é preciso cautela sobre esta medida, visto que o governo de Pequim não deverá realizar grandes mudanças no ritmo de apreciação do yuan.
Nos EUA, o ritmo de retomada da economia acontece de forma frágil e pouco conclusiva. Nas estimativas para este ano, o PIB deve crescer em torno de 3,2%. No entanto, a situação do mercado de trabalho e do crédito imobiliário continua preocupante, o que pode jogar a economia no baixo crescimento em 2011.
A partir da reunião recente do Fomc/Fed este cenário parece bem mais claro. Na decisão do dia 23/06 optou-se pela manutenção da taxa de juro entre zero e 0,25%. No comunicado do Fed argumenta-se que a recuperação da economia segue ocorrendo de forma modesta, com a mão de obra melhorando gradualmente; os gastos das famílias crescendo, mas ainda constrangidos pelo desemprego alto; a renda baixa, assim como o crédito constrangido. Além disto, a oferta de crédito segue deprimida, mas a utilização de recursos deve ocorrer gradualmente, num cenário de estabilidade de preços.
Voltando-nos ao Brasil, observamos um cenário relativamente mais tranquilo, com a economia em bom ritmo de crescimento, puxado tanto pelo crédito, como pela recuperação da renda e do emprego, assim como pela confiança dos agentes.
Em maio, o volume de crédito na economia chegou a 45,2% do PIB, puxado pelo consumo das famílias nos segmentos de bens duráveis, com destaque para eletroeletrônicos e automóveis, e também pelo aquecimento do segmento de habitação, com o volume de crédito mobilizado representando 3,5% do PIB.
Para os próximos meses é possível uma acomodação na oferta do crédito, mas fica difícil saber quando deve ocorrer. Isto porque o crédito é influenciado por uma série de fatores, como confiança do consumidor, disponibilidade de crédito, renda e emprego, enquanto que a taxa de juros demora de seis a nove meses para fazer efeito na economia. Além disto, a demanda por crédito tende a continuar forte, enquanto os prazos forem dilatados e as parcelas couberem no orçamento familiar.
O receio aqui é do aumento da inadimplência. Atualmente, se encontra em torno de 5,1% do total das operações de crédito com atraso acima de 90 dias, sendo 6,8% nas famílias e 3,7% nas empresas. O problema é que com o ingresso de novas camadas de renda no mercado de consumo, como as classes C e D, as pessoas tendem a se endividar além dos seus limites de renda, por não terem uma “cultura disseminada” no uso de cartões de crédito e de outros instrumentos de financiamento. Enquanto os prazos forem dilatados e, como dito, as parcelas couberem nos orçamentos, as pessoas seguem se endividando, mas e se ocorrer uma virada de cenário? O estouro da bolha acabará inevitável.
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