“Narrativa” virou uma palavra da moda. Há quem acredite que, mais que uma verdade, só é necessária uma narrativa que possa ser facilmente reproduzida pelos militantes de plantão, o que no contexto da disputa política é possivelmente verdade, mas certamente não quando estamos tentando entender o que de fato ocorreu.
Digo isso porque está em curso uma tentativa de criar uma narrativa (ou várias) que tire do governo anterior a responsabilidade pelo desastre que se abateu sobre a economia brasileira a partir do começo de 2014, do qual só começamos a sair no fim de 2016 e no começo do ano passado.
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Não falta quem tente atribuir a recessão bíblica que vivemos ao suposto “austericídio”, apesar do aumento persistente das despesas públicas (R$ 16,5 bilhões, já ajustados à inflação, de 2014 para cá, equivalentes a 1,7% do PIB) e da elevação do deficit público (limpo de “pedaladas” e afins) de 1,2% para 3,1% do PIB no mesmo período, ignorando acintosamente o papel dos erros da política econômica acumulados até o final de 2014.
Tentativa mais sutil de relativizar os erros do período é a de Marcio “Antonieta” Holland, em artigo recente na revista “Conjuntura Econômica”, em que ensaia um mea-culpa, algo envergonhado, mas que esbarra numa série de problemas.
A começar porque quer limitar sua responsabilidade aos aspectos macroeconômicos do desastre, deixando para outros o fardo das intervenções desastradas no domínio econômico, que, como afirmei recentemente, conseguiram ser ainda piores que a política macro.
Quer também atribuir parcela do fracasso à corrupção, deixando convenientemente de lado que as oportunidades para a corrupção generalizada que se observou no período tenham se originado precisamente do intervencionismo patrocinado pela Nova Matriz.
Ou alguém em sã consciência acredita que é mera coincidência a concentração de tais atos na Petrobras, exemplo maior da política intervencionista? E as acusações relativas à compra de medidas provisórias, justamente na área das desonerações tributárias, que o próprio Holland associa à Nova Matriz?
Por outro lado, mesmo quando se penitencia, ainda se gaba do crescimento do país entre 2011 e 2013 afirmando “algo parece que deu certo”. Já quando fala do período posterior, lamenta que o estouro do boom de commodities não seja considerado como fator responsável por “pelo menos um pouco da recessão”.
Lógica curiosa: quando o país cresce, é porque “algo deu certo”; já na recessão, invoca-se o preço das commodities.
A verdade é que países latino-americanos como Chile, Colômbia e Peru —que compartilhavam com o Brasil a dependência de preços de commodities (e são muito mais abertos ao comércio internacional, portanto mais sensíveis a esta variável), mas que mantiveram políticas econômicas corretas— sofreram uma desaceleração de seu crescimento da casa de 1,5% a 2,5% entre 2011-14 e 2015-16; já o Brasil passa por uma queda de seis pontos percentuais (de +2,3% ao ano para -3,7% anuais) no mesmo período e vê seu PIB encolher. Algo parece que não deu certo.
Ao fim da história, temos mais um exercício de equilibrismo do que o reconhecimento do estrago que suas políticas causaram ao país. Em vez de um longo artigo, Holland poderia simplesmente ter dito: fiz a Nova Matriz, mas não fui eu…
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