Anos atrás, perguntei a um ministro do Supremo: quais as chances de o STF aprovar, por iniciativa da Corte, a extinção do foro por prerrogativa de função de parlamentares?
Sua resposta: “Foro significa poder e ninguém no tribunal quer perder poder!”.
Se isso é verdade —e o argumento, consistente—, a questão vira outra: por que o STF aquiesceu em perder poder?
A resposta é que o saldo líquido de ganhos e perdas resultantes do foro tornou-se negativo para a instituição.
Na República Velha, o foro era circunscrito a poucos detentores de cargos eletivos e à magistratura federal (a estadual, com raríssima exceções, era demissível ad nutum —de livre exoneração; vide Victor Nunes Leal, “Coronelismo, Enxada e Voto”, 1948, capítulo 5).
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O foro para parlamentares foi introduzido em 1969 (por meio de emenda à Carta de 1967) por razões opostas às que produziram a mudança atual. Interessava ao regime controlar as forças centrífugas representadas pela Justiça de primeiro grau, concentrando os casos no STF, onde detinha ampla maioria após os expurgos de 1968.
O AI-5 delegava poderes ao presidente para decretar a extinção ou a suspensão de mandatos legislativos, o que, na prática, tornava o foro inócuo.
A controvérsia relevante sob o regime militar dizia respeito à jurisdição aplicável, se a Justiça militar ou a comum. Os pedidos de habeas corpus em favor dos ex-governadores Mauro Borges e Miguel Arraes são bem representativos nesse sentido.
A Constituição de 1988 estendeu de forma espetacular as imunidades e prerrogativas de agentes eleitos e não eleitos. No índice de imunidades parlamentares calculado por Karthik Reddy (Harvard) e associados, entre 78 democracias, o Brasil ocupa a terceira posição, atrás do Paraguai e do Uruguai.
A lógica foi a mesma que levou à delegação de poderes ao Ministério Público, ao Judiciário e ao Tribunal de Contas e à criação dos quatro graus de jurisdição: evitar o abuso de poder pelo Executivo e fortalecer as garantias individuais.
Imil quer saber: O que você acha do foro privilegiado?
Não se imaginava que o número de ações penais envolvendo agentes com prerrogativas de foro viesse a ultrapassar cinco centenas. Esse choque alterou o equilíbrio anterior. Dada a atual fragmentação, a iniciativa foi do próprio STF, e não do governo.
O saldo líquido decorrente da existência do foro tornou-se negativo para o STF, devido à repercussão junto à opinião pública das disfuncionalidades engendradas.
A restrição ao foro não significa renúncia total. Há poder residual da Corte sobre a sina dos parlamentares, sem que passe a arcar com os custos da fase de instrução dos processos e —mais importante— os custos reputacionais envolvidos.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 07/05/2018