Ao enviar ao plenário mais um habeas corpus pedindo a libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), cumpriu seu dever. Indiretamente, porém, a decisão alimenta a estratégia petista em torno da candidatura Lula e amplia a incerteza eleitoral.
A Procuradoria-Geral da República terá agora um prazo de 15 dias para se manifestar sobre o pedido de liberdade. A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, deverá marcar o julgamento para depois do recesso forense, provavelmente em agosto, quando se encerram as convenções partidárias e o prazo para registro de candidaturas.
O PT ainda insiste em registrar o nome de Lula no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apesar de a Lei da Ficha Limpa vetar a candidatura de condenados em segunda instância – independentemente de estarem livres, na cadeia ou em prisão domiciliar.
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Um eventual registro de Lula certamente será negado pelo TSE num primeiro momento, levando o PT a recorrer da decisão, provavelmente ao próprio STF, que poderá se ver obrigado a deliberar sobre o assunto no máximo até o dia 17 setembro, data limite para o TSE julgar os registros.
Entre agosto e setembro, portanto, o PT estará mobilizado em torno da chance de ver Lula não apenas livre, mas também candidato. Teria sido mais sensato para o partido já ter desistido da candidatura dele – mas a esta altura os petistas nada perdem se insistirem mais um pouco.
A probabilidade de vitória de qualquer um dos pedidos no plenário do STF é exígua. Na Segunda Turma, a que o pedido de liberdade havia sido inicialmente encaminhado, os humores eram favoráveis a converter a detenção de Lula em prisão domiciliar. No plenário, a composição é menos favorável a Lula.
No julgamento do primeiro habeas corpus impetrado pela defesa de Lula para tentar evitar sua prisão, no início de abril, ele perdeu por seis a cinco. Na tentativa de rever a possibilidade de prisões depois da segunda instância, também perdeu. É difícil crer que a opinião dos ministros que votaram contra ele tenha mudado.
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Na questão eleitoral, o placar desfavorável a Lula tende a ser ainda mais amplo. A Lei da Ficha Limpa é cristalina ao vedar candidaturas de condenados. Embora abra a possibilidade de recursos, eles já terão sido julgados pelo TSE quando o assunto eventualmente chegar ao STF. De novo, é difícil crer que os ministros possam rever tal decisão para benefício exclusivo de Lula.
Mas acumular duas derrotas sucessivas no STF manterá no ar a tese petista de que Lula é perseguido. Quando tiver finalmente de ceder e registrar outra candidatura, o PT contará com a discussão do assunto na imprensa para impulsioná-la no eleitorado.
Se conseguir transformar a campanha eleitoral em debate sobre Lula – em vez de uma discussão sobre os problemas reais do Brasil –, o PT terá obtido uma vitória no campo da opinião pública, quem quer que venha a ser seu candidato. Se, ainda por cima, Lula estiver solto ou em prisão domiciliar e puder tomar parte na campanha, o impacto na imagem desse candidato será ainda maior.
Para o Brasil, a situação será esdrúxula. Para o PT, o resultado será efêmero. Mesmo que o candidato do (ou apoiado pelo) partido vença a eleição, o presidente não será Lula, precisará do Congresso e de outros partidos para governar e não escapará dos dramas que afligem o país, que nada têm a ver com o regime penitenciário de Curitiba ou questões processuais do direito penal.
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Para Lula, contudo, a manutenção do próprio nome em evidência só traz benefícios. Mesmo sabendo que as chances de liberdade são mínimas e que ainda deverá ser julgado em pelo menos cinco processos, ele preserva a mitologia fantástica criada em torno de sua prisão e do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff – única salvação a esta altura não do projeto petista do poder (que já foi para o vinagre), mas de sua própria pele e biografia política.
Fonte: “G1”, 26/06/2018