A compra da área de aviação comercial da Embraer pela Boeing dá ao governo brasileiro a oportunidade de exercer alguma pressão sobre o americano.
O negócio de US$ 4,75 bilhões precisa da aprovação do Planalto, pois o Estado detém uma ação de ouro (“golden share”), que lhe dá a prerrogativa de rejeitar qualquer transação que envolva a perda de controle sobre o capital da empresa.
Tal prerrogativa deveria ser usada pelo Brasil para exigir concessões do governo Donald Trump, que amplia suas medidas protecionistas na guerra comercial com China e União Europeia (UE)
A Boeing não comprou as áreas de defesa (em que já mantém colaboração com a Embraer), nem de aviação executiva. A transação apenas cria uma nova associação entre as duas empresas – 80% Boeing; 20% Embraer – para vender jatos de pequeno e médio porte a companhias aéreas.
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O setor vendido corresponde a aproximadamente 58% da receita da Embraer em 2017, de US$ 5,4 bilhões. No ano passado, a Embraer entregou ao todo 210 aviões, 15 a menos que em 2016. A Boeing, 763 só em aviação comercial.
O negócio foi uma reação a dois movimentos no mercado. Primeiro, a associação entre a concorrente Bombardier e a europeia Airbus para produzir aeronaves para até 150 passageiros, segmento que garantiu a sobrevivência da Embraer desde a privatização, em 1994.
Segundo, a perspectiva da entrada da China no setor. No início do século, quando ainda estava em expansão, a Embraer chegou a projetar uma linha de produção na China, que mal saiu do papel. Envolvidos na iniciativa acusam os chineses de ter se apropriado da propriedade intelectual da Embraer para produzir os próprios aviões.
Resultado da competência da engenharia aeronáutica brasileira e da estratégia de negócios adotada depois da privatização, a Embraer não tinha mais a opção de crescer ou sobreviver sozinha diante da realidade atual do mercado.
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O negócio também é fundamental para a própria área de aviação comercial da Boeing, cujo faturamento tem caído (de US$ 96 bilhões para US$ 93 bilhões nos últimos três anos). É o que o transforma em oportunidade para obter concessões de Trump.
Quando Trump impôs as tarifas ao aço e alumínio (insumos da produção de aviões), o Brasil negociou cotas para limitar suas exportações aos americanos – e isentá-las da alta no preço. A medida serviu para aplacar um pouco os ânimos da indústria siderúrgica brasileira, mas é evidente que representa um baque.
De acordo com a proposta americana, as exportações de aço semiacabado brasileiro cairão 7,4% neste ano em relação a 2017. As de aço acabado, até 60%. Não ficará por aí. Carros e autopeças do mundo todo também estarão em breve sujeitos a tarifas. Sabe-se-lá que restrição o Departamento de Comércio ainda poderá criar.
O governo brasileiro tem em mãos a aprovação de um negócio relativamente pequeno para os padrões americanos, em torno de US$ 5 bilhões – o valor de mercado da Embraer fechou ontem pouco abaixo de US$ 17 bilhões. Em relação ao aço, os números não estão tão distantes.
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A Boeing anunciou que pagará US$ 3,8 bilhões pelos 80% da nova associação com a Embraer. As exportações de aço brasileiro aos Estados Unidos somaram em 2017 pouco mais de US$ 2,6 bilhões. Em volume, cresceram dois terços desde 2011, tornando o Brasil o segundo maior exportador de aço para os americanos.
O negócio também interessa a todas as regiões produtoras da Boeing nos Estados Unidos. A principal é Seattle, em Washington, estado da Costa Leste que vota tradicionalmente no Partido Democrata. Mas um dos centros de produção da empresa recém-criada fica em Nashville, no Tennessee, base eleitoral de Trump.
Não é necessariamente possível, talvez nem mesmo seja viável, exigir um alívio nas cotas de exportação de aço em troca da aprovação da transação entre Boeing e Embraer. Mas a pauta de negócios Brasil-Estados Unidos é extensa. O governo brasileiro tem uma rara oportunidade de fazer valer nossos interesses também em áreas que vão de produtos agrícolas à propriedade intelectual.
Se não pedir nada como compensação, terá desperdiçado uma excelente oportunidade não apenas de alcançar nossos objetivos comerciais, mas também de mostrar a Trump como, na economia globalizada, os Estados Unidos também precisam dos outros países – e o isolacionismo mercantilista não passa de burrice.
Fonte: “G1”, 06/07/2018