Na tarde da última quarta-feira, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgaram um processo sobre contratação de empacotadores por supermercados. Nas semanas anteriores, temas igualmente pouco relevantes foram levadas ao plenário da Corte. Em caráter reservado, ministros confessam certo tédio, resultado de pouco mais de um mês com Dias Toffoli na presidência do Supremo. O ministro pretende manter no início do governo de Jair Bolsonaro (PSL) o plano adotado durante as eleições: não ofuscar o mundo político.
Com quase metade dos parlamentares estreando no Congresso e um novato no Planalto, Toffoli quer que o STF seja o vértice mais discreto da Praça dos Três Poderes. Ele terá, porém, de convencer outros colegas de que essa é mesmo a postura mais adequada para a mais alta Corte do país, com tantos processos importantes na fila de julgamentos – e outros tantos que devem chegar à Corte logo no início do governo, considerando as propostas da campanha do presidente eleito e a disposição da oposição de combatê-las.
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O Supremo tem onze ministros que divergem bastante – no plenário e nos bastidores -, mas há um ponto de convergência: o exercício pelo STF do papel de guardião de direitos fundamentais expressos na Constituição durante o governo Bolsonaro. Uma demonstração disso foi a reação de alguns deles ao vídeo em que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) aventa o fechamento do STF.
Diferentemente de Toffoli, outros ministros consideram essencial que o Supremo atue como barreira de contenção de medidas potencialmente inconstitucionais oriundas do Executivo ou do Legislativo. A redução da maioridade penal defendida por Bolsonaro, por exemplo, é vista por uma corrente de juristas como um risco aos direitos de adolescentes, cláusula pétrea da Carta.
Eventuais privatizações e mudanças na Previdência podem também esbarrar no STF. O tribunal deverá assumir nos próximos anos o papel de defensor dos direitos das minorias, como na questão indígena. O novo presidente já disse que não demarcará novas reservas.
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Outro potencial conflito é a política de cotas, atacada por Bolsonaro. O STF já decidiu que as universidades têm autonomia para usar esse critério de seleção. Um eventual endurecimento da política prisional também pode esbarrar na Corte, que já condenou as condições degradantes do sistema. A Corte tende a barrar qualquer medida que considere colocar mais presos no sistema, sem melhorá-lo.
É atribuição do presidente da Corte escolher o que vai a julgamento entre 40 mil processos. Desse total, 821 estão prontos para ir a plenário. À frente do STF até setembro de 2020, Toffoli não tem a intenção de pautar, por exemplo, as ações sobre a descriminalização do aborto e de drogas não antagonizar com o Planalto. Bolsonaro é contra.
Toffoli também não pretende colocar em julgamento a revisão da Lei da Anistia, que poderia abrir uma brecha para punir militares que cometeram crimes durante a ditadura.
Fonte: “O Globo”