A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira não impor limites ao decreto de indulto assinado pelo presidente Michel Temer em 2017, que abriria a possibilidade de perdão judicial a políticos condenados na Lava-Jato. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Luiz Fux e não tem data para recomeçar. Seis magistrados apresentaram voto defendendo a prerrogativa exclusiva do presidente em estabelecer os parâmetros do perdão judicial a criminosos. Apenas Luís Roberto Barroso, relator, e Edson Fachin votaram para restringir o indulto.
O decreto assinado por Temer concedeu perdão judicial a criminosos que tivessem cumprido um quinto da pena em qualquer caso de crime praticado sem violência. Autoridades enxergaram no texto — o mais abrangente dos últimos 30 anos — uma tentativa de livrar da cadeia condenados pela Lava-Jato. Em meio às discussões sobre os limites “dos poderes” do presidente da República, “O Globo” ouviu dois especialistas sobre quais seriam os limites da decisão do chefe do executivo:
Poder do presidente não é ilimitado
Vera Chemim, advogada Constitucionalista e Mestre em Administração Pública
Veja mais:
Wiegerinck: “Precisamos parar de ver a corrupção como um crime comum”
Sebasitão Ventura: Um constitucionalismo ético relativo
Merval Pereira: Segredos revelados
Embora a Constituição preveja que o poder do indulto é privativo do presidente da República, esse limite não é absoluto, o poder não é ilimitado. O limite está no próprio Código de Processo Penal, que estabelece um mínimo de cumprimento da pena para que o condenado tenha direito a progressão de regime, que é o cumprimento de um terço da sentença. No meu entendimento, no caso do indulto de 2017, a legislação foi extrapolada.
O presidente da República baixou esse limite para um quinto da pena. Ou seja, pela decisão do presidente é preciso cumprir apenas um quinto da pena para ser beneficiado.
O problema é que existe uma lacuna do Legislativo, que deveria regulamentar o poder constitucional dado ao presidente. Isso não foi feito. Por isso, acredito que o presidente pode conceder perdão, mas obedecendo aos limites do próprio Código de Processo Penal. Já existe hoje um outro limite, que exclui do indulto crimes hediondos, mas não fala em crimes de corrupção. Por isso, o Supremo Tribunal Federal deveria limitar e excluir os agentes políticos, que afrontaram a moralidade administrativa.
Constituição dá poder ao presidente
David Teixeira de Azevedo, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP)
A Constituição é clara: a decisão compete ao presidente, e o indulto deve ser concedido de acordo com critérios que ele estabelece, como tipo de crime, tempo de pena e regime de cumprimento. Já há uma limitação imposta pelo Congresso, que impede o presidente de conceder indulto a condenados por crimes hediondos, como terrorismo, tráfico de drogas e tortura.
O indulto é uma clemência que existe desde Roma. É um ato soberano, que, por critérios próprios, resolve perdoar ou comutar as penas de um grupo de infratores. Ele age por razões humanitárias, e o indulto não é direcionado a um indivíduo, mas a um contingente de condenados.
Se alguém quiser estabelecer limites para o indulto concedido pelos presidentes, deve fazer isso propondo mudança na legislação. Além disso, pela Constituição, o presidente pode inclusive conceder a graça, o perdão, a um único indivíduo, na forma de favor individual. O Supremo é o poder máximo e não pode desrespeitar a Constituição. A Corte não pode decidir no lugar do presidente. Neste caso, seria uma evidente invasão entre os Poderes.
Fonte: “O Globo”