Depois de vários anúncios pontuais, incluindo o vazamento de uma minuta de PEC, na semana passada o governo Bolsonaro apresentou sua proposta de reforma da Previdência.
Uma questão que sempre se colocou é se não seria melhor aproveitar a PEC apresentada por Temer, que já poderia ser colocada para votação no plenário da Câmara dos Deputados. A tramitação de uma nova proposta será bem mais longa, o que pode atrasar o ajuste fiscal e, consequentemente, a recuperação da economia.
Embora essa seja uma objeção válida à apresentação de uma nova proposta, o fato é que a reforma da previdência de Bolsonaro é a mais abrangente já enviada ao Congresso, e vai além da PEC de Temer em várias dimensões.
Em primeiro lugar, seu impacto estimado em dez anos é superior a R$ 1 trilhão, acima da economia de cerca de R$ 800 bilhões obtida com a reforma original do governo Temer. Além disso, essa estimativa não incorpora o ajuste nos regimes dos servidores de Estados e municípios, que pode ser bastante significativo.
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Em particular, os Estados que apresentam déficit financeiro e atuarial deverão elevar suas alíquotas de contribuição tanto para os servidores ativos quanto para os inativos. Além disso, a proposta permite que a União, Estados e municípios cobrem alíquotas extraordinárias para o equacionamento dos déficits atuariais dos regimes próprios de seus servidores.
A proposta também avança no combate às desigualdades do sistema, reduzindo tanto as disparidades entre o regime geral (RGPS) e o dos servidores (RPPS), como as que existem entre os trabalhadores com diferentes níveis de renda em cada sistema. Nesse sentido, a novidade foi a criação de um sistema progressivo de alíquotas de contribuição, com uma alíquota máxima que, no RPPS da União, pode atingir 22%. Assim, eleva-se a alíquota efetiva para 16,79% no caso de salários acima de R$ 39 mil.
Embora continuem a ter direito à paridade (mesmo aumento salarial dos ativos) e integralidade (último salário da carreira), os servidores que ingressaram no setor público antes de 2003 terão de atingir a idade mínima de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher).
Na medida em que a transição para o novo sistema com idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres é mais rápida que a de Temer (12 em vez de 20 anos), também se corrige de forma mais efetiva a injustiça flagrante decorrente do fato de que os trabalhadores de maior renda se aposentam por tempo de contribuição, com média de idade de 54 anos, enquanto os mais pobres se aposentam com 63 anos (média entre a idade mínima de homens e mulheres).
Além de importante em si mesmo, esse combate às desigualdades do sistema previdenciário fortalece o discurso de combate aos privilégios que tem sido adotado pela equipe econômica. De fato, a PEC de Bolsonaro e outras medidas anunciadas revelam uma preocupação de rebater argumentos frequentemente utilizados para questionar a necessidade de reforma da Previdência.
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Por exemplo, argumenta-se com frequência que, se não houvesse incidência da DRU sobre as receitas de seguridade social, não haveria déficit. Como, em última análise, esses recursos acabam voltando para financiar o rombo da Previdência, o fim da DRU para a seguridade proposto na reforma não terá impacto fiscal e evidenciará de forma mais clara a necessidade de ajuste. A separação das contas de Saúde, Assistência e Previdência vai na mesma direção de explicitar o rombo da Previdência.
Outro argumento comumente usado para minimizar a necessidade de reforma é de que o déficit da Previdência poderia ser eliminado por meio do combate às fraudes do sistema e cobrança da dívida ativa. O primeiro ponto foi objeto da MP 871/2019, enviada ao Congresso em janeiro, que cria vários instrumentos para combater o recebimento indevido de benefícios previdenciários.
Em relação ao segundo ponto, a Mensagem que acompanha a PEC informa que em breve será apresentado um projeto de lei para melhoria da cobrança da dívida ativa. Embora as estimativas existentes indiquem que o montante que pode ser arrecadado não seria suficiente para eliminar sequer um ano de déficit previdenciário, a cobrança da dívida ativa é uma medida correta tanto sob o ponto de vista fiscal como para evidenciar a dimensão do problema.
Embora todas essas mudanças sejam feitas por Proposta de Emenda Constitucional, a reforma de Bolsonaro facilita correções futuras ao estabelecer o aumento automático da idade mínima em função da elevação da expectativa de sobrevida. Ainda mais importante, a PEC determina que mudanças futuras no regime previdenciário sejam feitas por meio de projeto de lei.
Várias das mudanças citadas e outras que constam da PEC confrontam fortes interesses e podem ser modificadas ou mesmo excluídas. Mas a abrangência e robustez da reforma representam um passo considerável para enfrentar o gigantesco desequilíbrio previdenciário que perpetua desigualdades e impede a retomada do crescimento.
Fonte: “Blog do IBRE”, 25/02/2019