O centenário de nascimento do embaixador Sergio Corrêa da Costa, em 19 de fevereiro, nos permite rememorar algumas das facetas de um dos mais importantes representantes de uma geração de diplomatas que marcou de forma indelével sua passagem pelo Itamaraty. Corrêa da Costa, junto com Roberto Campos, Azeredo da Silveira, Ramiro Saraiva Guerreiro, Gibson Barbosa, Vasco Leitão da Cunha, Jorge Carvalho e Silva, Mozart Gurgel Valente, Miguel Ozório e Antônio Corrêa do Lago, entre outros, deu sua contribuição para que a Chancelaria brasileira se afirmasse como uma instituição a serviço do Estado, acima de partidos ou de ideologias.
Diplomata de carreira, mas com interesses que iam além das atividades como servidor público exemplar, atuou como consultor no setor privado e tornou-se respeitado como intelectual e historiador.
Conheci Corrêa da Costa quando chegou a Londres, em 1968, para chefiar a embaixada junto à Corte de Saint James, onde eu começara a servir no exterior com o embaixador Jaime Chermont. O novo embaixador chegava do Brasil tendo deixado a Secretaria-Geral do Itamaraty.
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Estávamos no governo Costa e Silva e o ministro era Magalhães Pinto. Como secretário-geral, Corrêa da Costa ousou ser avançado para o seu tempo, em que os radicalismos internos e externos em tempos de guerra fria deixavam pouco espaço para posições independentes. Na defesa do interesse brasileiro, superou facciosismos políticos internos e articulou a volta de cientistas que se haviam exilado no exterior. Entre outras iniciativas, foi pioneiro na defesa do interesse brasileiro na energia nuclear e seu grande estimular. Deu grande ênfase ao planejamento diplomático, com o apoio de brilhantes diplomatas, como Paulo Nogueira Batista e Ovidio de Andrade Melo.
Depois de Londres, serviu como embaixador do Brasil nas Nações Unidas e nos Estados Unidos, onde também deixou sua marca. Aposentou-se em Washington em 1986. Aí passou a trabalhar na empresa de consultoria de Henry Kissinger – a Kissinger Associates – e deu aulas de História do Brasil na Universidade da Carolina do Norte. Posteriormente foi viver em Paris, onde trabalhou como advogado internacional no escritório Coudert Frères e atuou como árbitro em litígios submetidos à apreciação da Câmara de Comércio Internacional.
A designação do diplomata, no início de sua carreira, em 1940, para trabalhar no Arquivo Histórico do Itamaraty foi um fator acidental que teve grande influência na sua formação e em seu gosto pela História. Ali instalou, como ele mesmo dizia, uma “tenda de trabalho”. Sua pesquisa nos arquivos do Itamaraty resultaram em intensa produção intelectual. As Quatro Coroas de D. Pedro I (1940) e D. Pedro I e Metternich (1942), A Diplomacia Brasileira na Questão de Letícia (1942), sobre o diferendo entre a Colômbia e o Peru, e A Diplomacia do Marechal – Intervenção Estrangeira na Revolta da Armada foram escritos nesse período.
Corrêa da Costa sempre atuou guiado pelo que Machado de Assis chamou de “instinto de nacionalidade”. Não apenas contribuiu para dar conteúdo e sentido à temática nacional, mas, sobretudo, viveu intensamente a sua época. Tanto na diplomacia como na cultura e na História.
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Em Paris, na veia de historiador, publicou Brasil, Segredo de Estado (2001) e Crônica de uma Guerra Secreta: Nazismo na América (2005). Ao mesmo tempo, dedicou-se a uma pesquisa original sobre a presença de palavras estrangeiras em diferentes idiomas. Esse trabalho trouxe um novo elemento a esse debate sem precedentes: o estudo da globalização lexical, filão até então pouco examinado. No final de 1999 foi publicado na França, e depois no Brasil, Mots sans Frontières – Palavras sem Fronteiras. Pela originalidade e por mostrar até aquele momento a força do idioma francês, o trabalho recebeu, por indicação do Instituto de França e da Academia Francesa, o grande prêmio da Fundação Príncipe Louis de Polignac, do Principado de Mônaco.
Na diplomacia, a palavra tem um significado muito sutil e delicado. É um instrumento de trabalho refinado e com muitas implicações para o entendimento entre as nações, para a paz e para as disputas políticas, comerciais e bélicas. Corrêa da Costa foi um militante da globalização da palavra. Depois de ser apresentada na Academia Brasileira de Letras (ABL) no Rio de Janeiro e no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, a exposição Palavras sem Fronteiras foi acolhida no Itamaraty em 2018 e saudada pelo ministro Aloysio Nunes Ferreira.
Em agosto de 1983 foi eleito para a cadeira n.º 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL), que tem por patrono Castro Alves. Em seu discurso de posse não se esqueceu do Itamaraty, lembrando que a “tradição da Chancelaria consiste em identificar em cada momento histórico os interesses nacionais a defender. A constante preocupação com o Brasil perante o mundo e a busca permanente de meios para bem cumprir sua missão valeram justamente ao Itamaraty a qualificação de estado-maior civil da Nação”.
Em Paris, seu apartamento se transformou em ponto de reuniões entre intelectuais brasileiros e franceses. Durante mais de uma década Sergio Corrêa da Costa acabou sendo, na prática, o representante da ABL junto à sua congênere francesa. Tornou-se amigo de Maurice Druon, secretário perpétuo da Academia Francesa, que tinha, como ele, raízes maranhenses, de Hélène Carrère d’Encausse, sua sucessora, e também de Philippe Rossillon, o secretário-geral da União Latina.
Homem do mundo, Corrêa da Costa, servidor do Estado, é um exemplo para as novas gerações de diplomatas, que deveriam também reafirmar sempre seu “instinto da nacionalidade”, numa instituição de excelência como o Itamaraty.
Fonte: “Estadão”, 12/03/2019