As notícias do final da tarde da última quinta-feira (11) e seus reflexos no dia seguinte fecharam mais uma semana de bastante pessimismo em relação ao atual governo. Bolsonaro, na linguagem dos memes das redes sociais, “dilmou” novamente ao intervir na política de preços da Petrobrás, vetando um aumento de 5,7% no preço do óleo diesel que a empresa oficializara horas antes. As ações da Petrobrás foram fortemente penalizadas no pregão da sexta-feira, desvalorizando mais de 8% e representando uma perda total de valor de mercado superior a 32 bilhões de reais em um único dia. O mesmo efeito atingiu ações de outras estatais tais como Eletrobrás, Banco do Brasil e BR Distribuidora, também potenciais reféns do populismo estatal. O movimento de rejeição às ações de empresas estatais foi tão forte a ponto de alguns fundos decidirem por “zerar” suas posições nesses papéis diante dos receios em relação à governança e ao grau de ingerência que o governo pode passar a exercer sobre essas companhias.
Não demorou até que as justificativas mais esfarrapadas começassem a surgir a partir do Palácio do Planalto e da rede de afiliados que defendem cegamente as ações do “mito”. O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou em entrevista que Bolsonaro não irá “repetir” Dilma e que o recuo no diesel foi por um “bem maior”, ou seja, evitar o risco de uma nova greve dos caminhoneiros. Depois disso, Eduardo Bolsonaro defendeu que a intervenção nos preços deveria ocorrer em todos os combustíveis e que o liberalismo econômico deveria ser feito a “passos graduais”. Assim são os ideólogos. Sempre acreditam que a causa deles é mais nobre que a causa daqueles que fizeram o mesmo em outros momentos e em outras circunstâncias.
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Vale lembrar que uma das principais bandeiras eleitorais do atual governo foi a bandeira do pragmatismo em relação a uma economia liberal. É aqui que começa o nosso choque de realidade, ou seja, fomos novamente enganados por uma tropa de ideólogos “ultra-liberais” no discurso e “nada-liberais” na prática. Bastaram apenas 100 dias para que Bolsonaro nos desse evidências de que seu pragmatismo econômico liberal tem uma amplitude bastante limitada. A primeira intervenção nos preços ocorreu logo no início do governo quando Bolsonaro decidiu não retirar os impostos de importação que incidem sobre o leite em pó, alegando que tal ação seria benéfica ao consumidor brasileiro e protegendo assim a mal-acostumada indústria local, gerando um mal-estar enorme com o Ministro Paulo Guedes. O caso recente envolvendo a Petrobrás parece ser ainda mais grave, pois o ministro deu a entender que não foi sequer consultado por Bolsonaro sobre o tema, o que ilustra o caráter quase “absolutista” da decisão do presidente. Sabe-se ainda que Bolsonaro “convocou” a diretoria da Petrobrás para que lhe fossem apresentados os argumentos que sustentem a necessidade do ajuste nos preços, o que soa altamente intervencionista.
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Conhecemos muito bem as mazelas causadas pelo intervencionismo estatal na formação dos preços de mercado. A presidente Dilma Rousseff utilizava o controle artificial de preços administrados como energia elétrica e gasolina para colocar o IPCA dentro do limite-superior da meta de inflação. O resultado, como já se sabia desde o início dessa política, era uma inflação represada, que cedo ou tarde seria refletida nos preços. Dilma Rousseff esperou passar as eleições de 2014 para liberar os aumentos nos preços e até hoje pagamos essa conta. Eletrobrás e Petrobrás tiveram seus resultados severamente afetados por tal medida. Além da distorção no sistema de formação de preços, o governo atual também mostra sua fragilidade frente às ameaças de greve por parte dos caminhoneiros, que cada vez mais se convencem de seu poder de barganha, já que conseguem conquistar seus pleitos antes mesmo da greve de facto.
O governo precisa se convencer de que não existe o status de “meio liberal”. Liberalismo não é um espectro sobre o qual se pode caminhar conforme as circunstâncias; liberalismo é um posicionamento binário, “ser liberal” ou “não ser liberal”, simples assim. Acima de tudo, o atual governo precisa aprender a governar e articular para que as reformas sejam colocadas em votação com a maior urgência possível. A excessiva dispersão com temas secundários e ideológicos coloca ainda mais risco sobre a saúde das nossas já debilitadas contas públicas e nossa estabilidade econômica, especialmente em um ambiente externo com alta volatilidade. A aceleração da agenda de privatizações também seria bastante salutar diante do cenário de risco iminente de maior intervenção governamental nas empresas públicas, já saqueadas ao limite e, em sua grande maioria, administradas por um corpo político incompetente e descompromissado com o Brasil.
Fonte: Gazeta do Povo, 16/14/2019