Mudou definitivamente o ambiente econômico global. Há uma prova contundente da mudança. Nas duas últimas semanas, os mais importantes bancos centrais do mundo tiveram de injetar centenas de bilhões de dólares na tentativa de impedir um colapso nos mercados de crédito. Pediram trégua em sua campanha de enxugamento da liquidez global, assumindo emergencialmente sua clássica função de “emprestadores de última instância”.
O aumento da aversão ao risco e a liquidação forçada de ativos em pequena janela de tempo exigiram as injeções de liquidez pelos bancos centrais. Sem essa reversão das turbinas monetárias, o entupimento dos canais de crédito derrubaria a economia real, pois as engrenagens de produção das economias de mercado são lubrificadas por crédito. Um bloqueio nos canais de suprimento desse combustível interromperia seu funcionamento, atingindo instantaneamente os níveis de produção e de emprego e deflagrando uma recessão.
A ameaça de recessão explica a ação fulminante dos bancos centrais. É o “crash” das bolsas que prende a atenção do público, mas é o “crunch” no crédito o fenômeno temido pelas autoridades monetárias. Pois, se o “crash” nas bolsas fere, o “crunch” no crédito mata.
O “crash” e o “crunch” são sintomas da mudança no ambiente econômico global. A psicologia dos investidores e dos credores foi capturada pela ameaça de uma crise sistêmica. Ficam para trás os anos de liquidez frouxa, a “exuberância irracional” nas bolsas (Robert Shiller) e a “complacência irracional” nos mercados financeiros em geral (Paul Krugman). É o fim da era Alan Greenspan, o Senhor dos Mercados que inadvertidamente orquestrou, além da bolha imobiliária e da superexcitação do consumo americano, à base de hipotecas e endividamento excessivo, a sincronização dos mercados acionários globais.
Encerra-se um período de inédito desempenho econômico no pós-guerra: cinco anos consecutivos com a taxa de crescimento global acima de 5% ao ano. E, como registra Charles Kindleberger em Manias, Pânico e Crashes: uma História das Crises Financeiras (1989), “crises financeiras estão associadas aos picos de crescimento: são na verdade seu auge”. A expansão excessiva de crédito da era Greenspan cobra agora seu preço. A percepção dos excessos produziu o efeito manada, um verdadeiro estouro da boiada. O pânico provoca ondas sincronizadas de venda nas bolsas, pois, como adverte panfleto anônimo do século XVIII, o diabo sempre pega quem fica para trás, lembra Edward Chancellor, em O Diabo sempre Pega o Último da Fila: uma História da Especulação Financeira.
O atual episódio de turbulência econômica não terá a curta duração dos anteriores, pois é profunda a dimensão financeira da crise. Mas sabemos que ainda não é o fim do mundo. Existem uma robusta dinâmica de crescimento asiática, uma persistente reestruturação econômica européia e, até o momento, a formidável resistência do endividado consumidor americano. Sabemos também que, por enquanto, apesar dos efeitos sincronizados da crise externa sobre a bolsa, o câmbio e os juros no Brasil, nossas perspectivas de crescimento permanecem favoráveis.
Com US$ 160 bilhões de reservas e um regime de câmbio flutuante, o impacto do desaquecimento global sobre o preço das commodities não dispara, como no passado, uma crise sobre o balanço de pagamentos. Mas é preciso ir além dessa blindagem externa, reforçando uma dinâmica própria de crescimento com base no mercado interno. É hora de retomar as reformas em busca do tempo perdido.
(Época – 20/08/2007)
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