Hoje é um dia decisivo para a reforma da Previdência. Com o final da leitura do voto do relator do projeto, deputado Samuel Moreira, na noite de ontem, o governo tentará levá-lo a votação na Comissão Especial, último passo antes do plenário. Se conseguirem, a reforma poderá ser aprovada na Câmara na semana que vem, antes do recesso de julho.
Em seu texto, Moreira fez o possível para resistir às pressões e manter as economias previstas durante uma década na meta desejada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes: ao menos R$ 1 trilhão. Afirmou que seu texto tem impacto fiscal de R$ 1,07 trilhão. Para chegar ao valor, lançou mão de manobras contábeis que demandam análise detida:
1) O aumento de impostos sobre o lucro de bancos e instituições financeiras (economia de R$ 53,5 bilhões). Não faz sentido incluir esse valor como parte de uma reforma previdenciária, já que ele nada tem a ver com mudanças na Previdência.
2) O relatório considera que uma mudança simples de critério na concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a deficientes e idosos pobres, representará ganhos de R$ 33,3 bilhões aos cofres públicos. É um valor maior que o impacto da própria mudança no BPC sugerida na primeira versão do governo – e retirada por pressão daqueles que julgavam um absurdo pagar menos de um salário mínimo (R$ 400) a quem hoje não recebe nada. O impacto original da mudança no BPC foi estimado em R$ 28,7 bilhões durante uma década, pelas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado.
3) Foi estabelecida uma nova contribuição previdenciária paga por exportadores agrícolas, de impacto estimado em R$ 83,9 bilhões. Embora seja uma arrecadação de natureza previdenciária, há dúvida sobre sua manutenção na votação em plenário, já que a bancada do agronegócio é contrária.
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4) Em seu complemento de voto, Moreira desistiu de transferir recursos do BNDES à Previdência, como na versão anterior. Ela representava uma arrecadação adicional de R$ 217 bilhões, compensada em parte pelos dois itens acima, em parte por aumento na arrecadação prevista em virtude de outras mudanças, como o endurecimento de regras para pensões e a manutenção do cálculo da aposentadoria sem excluir 20% dos salários, os mais baixos.
5) Mesmo assim, ainda há uma divergência entre os números do relatório de Moreira e a análise da proposta feita pela IFI. No caso das aposentadorias pelo INSS, o relator fala em ganhos de R$ 688,1 bilhões em dez anos. Já na proposta original do governo, a IFI estimava esse valor em R$ 670,9 bilhões. Quando Moreira apresentou seu primeiro relatório em junho, reduziu a estimativa para R$ 567,4 bilhões, em virtude de mudanças nas regras de transição, à exclusão de aposentadorias rurais e à redução na idade mínima das professoras. Ainda não foi divulgada a análise do texto de ontem.
6) Embora tenha resistido à pressão de parlamentares do PSL para aliviar as regras de aposentadoria de policiais e bombeiros, Moreira não incluiu no texto a obrigatoriedade de que estados e municípios sigam as mesmas regras federais, caso não reformem suas próprias previdências. Apenas nos estados, o impacto da reforma em dez anos era estimado em mais de R$ 350 bilhões, valor não incluso na economia de R$ 1 trilhão. A omissão, por pressão de governadores, é a maior lacuna do texto que provavelmente vai a plenário.
A oposição fará pressão para adiar a votação de hoje na Comissão Especial, de modo a tentar adiar a reforma para depois do recesso parlamentar. Há dúvida sobre como se comportarão os parlamentares do PSL, que ainda almejam regras mais brandas para as categorias ligadas à segurança pública e para congressistas.
A esta altura, o objetivo principal – tanto do Executivo quanto do presidente da Câmara, Rodrigo Maia – deveria ser incluir de volta os estados e municípios no texto da reforma. Insistir em economizar o tal trilhão pode render manchetes, mas contribuir para resolver a situação fiscal calamitosa dos estados seria uma meta bem mais relevante.
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Fonte: G1