Em franca disputa com a Câmara, o Senado decidiu assumir a dianteira do plano de socorro a estados e municípios e negocia com o governo uma solução conjunta para destravar a medida. Em uma frente, definiu que o projeto sobre o assunto aprovado na segunda-feira pelos deputados e criticado pela equipe econômica será anexado a um texto apresentado em março pelo senador Antonio Anastasia (PSD-MG).
Em outra, negocia diretamente com a equipe econômica a edição de uma medida provisória para tratar do assunto. As ações dão mais protagonismo à chamada Casa da Federação no debate sobre o pacote.
Na prática, a proposta que sair da nova rodada de negociações terá a assinatura dos senadores e esvazia o papel do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na condução das discussões. Segundo fontes, a equipe econômica participa da construção do projeto. Após se desentender com Maia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem negociado com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que prefere a edição de uma MP, que tem força de lei imediatamente.
O pedido para anexar o texto da Câmara foi feito pelo senador Esperidião Amin (PP-SC). Na avaliação do parlamentar, o Senado deve ter o “tempo necessário” para analisar a medida.
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Ele destacou que a proposta aprovada pela Câmara teve como base um texto enviado pelo governo em junho do ano passado e agradeceu a Alcolumbre por aceitar a sugestão.
— Os deputados Pedro Paulo (relator do texto da Câmara) e Rodrigo Maia são muito talentosos, mas o Senado tem que cumprir sua primeira obrigação constitucional, que é ser a Casa da Federação — afirmou Amin.
Guedes vê na negociação pelo Senado uma oportunidade de aprovar a proposta alternativa de auxílio aos estados elaborada por sua equipe. O texto da Câmara desagrada ao ministro por prever que a União compense por seis meses a perda de arrecadação de ICMS (nos estados) e ISS (nos municípios).
A ideia é considerada um “cheque em branco” para governadores e prefeitos. Nas contas da Câmara, o projeto teria impacto de R$ 89,6 bilhões, caso as perdas de receita sejam de 30%.
Em vez disso, o ministro defende a transferência de valores fixos aos governos locais, divididos de acordo com o tamanho da população. O pacote de Guedes seria de R$ 77,4 bilhões, sendo R$ 40 bilhões em repasses diretos e R$ 37,4 bilhões resultado da suspensão da dívida de estados e municípios com a União e com bancos públicos federais.
A preferência de governadores, no entanto, é pelo texto da Câmara. Ontem, os chefes de Executivo locais enviaram carta a senadores pedindo “aprovação imediata” do projeto dos deputados.
Os técnicos da equipe econômica estão preocupados com o pacote aprovado na Câmara por causa do seu impacto fiscal. Ontem, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, admitiu pela primeira vez que o governo pode ter dificuldades para financiar a dívida. Esse ponto é importante porque, como o país está com déficit nas contas públicas, todos os gastos extras são bancados com empréstimos.
Impacto de até R$ 140 bi
Para obter esses recursos, no entanto, o Tesouro precisa oferecer a investidores títulos públicos. O problema é que, no cenário atual, esse tipo de operação tem sido mais difícil.
Segundo os cálculos da pasta, o impacto total do texto aprovado pela Câmara chegaria a R$ 93 bilhões, caso a perda de arrecadação dos estados e municípios seja de 30%. Mas pode passar de R$ 140 bilhões, se a queda for de 50%. A cada 10% de queda nas receitas dos entes, a conta para a União aumentaria em R$ 28 bilhões.
O peso dessa conta já começa a ser considerado por senadores. Um dos representantes do Rio na Casa, Arolde de Oliveira (PSD-RJ), já se posicionou contra o texto da Câmara:
— A União vai ser uma espécie de seguradora da farra que eles (estados) vão fazer.
Já Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) acredita que a medida até seria possível, mas defende a necessidade de firmar alguma contrapartida dos governos locais.
— Não é possível que estados e municípios passem por isso como se nada tivesse acontecido — diz o parlamentar, relator de uma das propostas de ajuste fiscal apresentadas em 2019 pelo governo.
Prefeitos criticam proposta do governo
A Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) divulgou ontem nota em que crítica o plano de ajuda a estados e municípios proposto pelo governo e defende o projeto de socorro aprovado pela Câmara dos Deputados. Para a entidade, a União estimula o conflito entre entes federados e não cumpre seu papel no combate ao coronavírus.
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Na avaliação da organização, que representa as 406 maiores prefeituras do país, o mecanismo para recompor perdas na arrecadação de imposto elaborado por deputados é superior à ideia da equipe econômica de repassar um valor fixo, de até R$ 40 bilhões, que seria dividido entre os governos de acordo com tamanho da população de cada estado ou município.
“Os governantes locais discordam veementemente da alternativa apresentada pela equipe econômica do governo federal, de propor recomposição de receitas pelo critério per capita. Como o termo diz, recompor receitas parte do pressuposto de que haverá uma perda a ser coberta. Sendo assim, não é razoável que municípios que pouco ou nada arrecadam com determinado tributo sejam beneficiados com recursos extraordinários para suportar frustrações de receitas inexistentes”, afirma a FNP, em nota.
O governo é contra a ideia aprovada na Câmara por entender que essa espécie de seguro contra a queda nas receitas de ICMS (nos estados) e ISS (nos municípios) funcionaria como um cheque em branco aos gestores locais. A garantia duraria de abril a setembro.
Para a FNP, a insistência do governo em combater a proposta dos deputados causa disputa federativa. O argumento é semelhante ao do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que afirmou ainda que o valor dos repasses é insuficiente para garantir o funcionamento de estados e municípios durante a crise.
“Diante disso, prefeitas e prefeitos clamam para que o governo federal pare de fomentar e propagar hostilidades entre os entes federados. O diálogo é a forma democrática de conduzir uma nação. A saída dessa crise, de enormes proporções, demandará ações coordenadas entre os governantes das três esferas de todas as regiões”, diz a FNP.
Fonte: “O Globo”