Tempos de pandemia, momentos de disrupção que leva à destruição criativa schumpeteriana, volta do crescimento, da renda, do emprego e de melhor qualidade de vida. Este seria o roteiro ideal, com que todos sonhamos. Será possível? Ninguém sabe. As perguntas mudaram e ainda não temos as novas respostas. Quando teremos? Ninguém sabe. Qual o novo patamar do preço do petróleo e como fica a transição energética? Ninguém sabe. Quando teremos a vacina para a covid-19? Ninguém sabe. Quando será a reabertura da economia no Brasil? Ninguém sabe. Nós, economistas, cientistas políticos, jornalistas e toda a sociedade, estamos tentando encontrar respostas novas, como os cientistas que trabalham dia e noite tentando descobrir a vacina que combata a covid-19. Quem achar, neste momento, que tem as respostas ou soluções, ou está olhando pelo retrovisor ou é oportunista vendendo ilusões. Nestes momentos sombrios e com a economia dizimada, a principal virtude é a modéstia.
O fato de não termos respostas não deve nos impedir de pensar onde erramos e procurar as saídas para o momento que estamos vivendo. O mundo inteiro vai ter de se repensar. O desafio é saber a dimensão da mudança. Não é mais tempo de nos prendermos a dogmas e a crenças. A covid-19 não tem precedentes na humanidade, pela sua surpresa, sua violência e seu caráter universal. Atingiu 170 países e mais da metade da população mundial. Precisamos construir modelos com Estados competentes e eficientes que resgatem dívidas sociais, como a da saúde pública, e que forneçam infraestrutura adequada e de qualidade para as cidades que cada vez estão mais adensadas.
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Esses desafios estão presentes no Brasil. Para dar início ao enfrentamento, é preciso combater um mal que aflige o País há décadas: os extremos. O nós contra eles. Temos de deixar de ser o país da torcida entre, por exemplo, o gigantismo estatal e o neoliberalismo, lockdown ou abertura total, e entender que o dinheiro público não pode ser jogado do helicóptero o tempo todo. Isso só vai dificultar o retorno do crescimento dos menores do mundo, aprofundar a crise e aumentar os trabalhos informais.
A crise vai demandar uma grande flexibilidade do trabalho, com o objetivo de recuperar de hoje até o fim de 2020 as horas perdidas durante a quarentena. A escolha não é vida ou economia, e sim vida e economia. A recuperação da economia passa pela adoção de medidas estratégicas e reformistas. O governo e o Congresso precisam ser reformistas, propondo mudanças infralegais e nos marcos regulatórios. Temos de aproveitar a crise para fazer as reformas tributária, administrativa, aprovar o marco legal do saneamento, o fim do regime de partilha no petróleo, modernização do setor elétrico, uma nova lei do gás natural. Tudo isso mostrando que não existe conflito entre um programa de investimentos públicos e privados inteligentes. Temos uma oportunidade histórica, de quitar uma dívida social ao reduzir o gap de infraestrutura do Brasil. Para isso, temos de criar ambiente amigável para investimentos em saneamento, infraestrutura logística, construção de habitações de baixa renda, infraestrutura de gás e energia, entre outros.
É um momento único, em razão do custo de capital baixo e da necessidade de gerarmos renda e emprego. Também temos alto grau de ociosidade nas cadeias de fornecimento em setores como siderurgia, equipamentos e custo de energia (gás, petróleo e energia elétrica) menores.
Não se trata de ressuscitar o mundo de ontem, mas de inventar um modelo brasileiro por meio de um grande debate de toda a sociedade. Um modelo que assegure um equilíbrio entre o desenvolvimento, a solidariedade, os investimentos privados e o papel do Estado, reduzindo os custos de transação, o número de trabalhadores informais e melhorando as condições ambientais.
A hora é de escolhas e oportunidades geradas pelo momento de disrupção que levará à destruição criativa. No livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, Alice, em certa encruzilhada do destino, pergunta ao sábio gato de Cheshire: Qual o melhor caminho? Ele responde: Depende de para onde você deseja ir. Escolha.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 16/5/2020