*Por Maurício F. Bento e Simone M. Ferreira
Nenhuma situação é tão ruim que não possa piorar: quando se chega ao fundo do poço, ainda é possível continuar cavando. O Projeto de Lei 3819 de 2020, em tramitação na Câmara dos Deputados, parece levar a sério esse espírito e pretende cavar a cova das startups, pequenas empresas e do setor de turismo, ao encarecer o custo do transporte rodoviário interestadual e internacional para os consumidores.
Caso seja aprovado, o projeto inviabiliza novos modelos de negócios e tira pequenas empresas do setor. Algumas de suas duras medidas incluem a exigência de capital social mínimo de R$2 milhões e de frota própria, além da vedação da intermediação na venda de passagens. Essas medidas excluem pequenas empresas e novos modelos de negócios do mercado, diminuindo as opções para os consumidores e aumentando os custos de transporte.
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Com o aparecimento de novos modelos de negócio (como a Buser e a FlixBus além de outras empresas regionais) no setor de transporte coletivo, houve a judicialização da matéria, que chegou ao Supremo Tribunal Federal em abril de 2019. A Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (ABRATI) alegou que o novo modelo de negócios era prejudicial para o mercado e criava empecilhos à fiscalização por parte do poder público, o que poderia colocar os usuários em risco.
A ABRATI acabou desistindo da Ação em razão das seguidas decisões do Poder Judiciário em favor das novas tecnologias. Além disso, elas têm ajudado a elevar o número de usuários do setor. Em audiência pública sobre a decisão das autorizações, a representante da ANTT ressaltou os benefícios do período de autorizações e um fato relevante: milhões de pessoas passaram a ter acesso ao transporte terrestre interestadual ou internacional com as novas tecnologias. As empresas tradicionais excluíam milhões de pessoas que passaram a ter acesso a esse mercado devido à inovação, gerando emprego e renda para o setor de transportes e de turismo. A abertura trouxe uma significativa ampliação do serviço e inclusão. Adicionalmente, a pressão exercida pela concorrência fez com que as empresas antigas renovassem sua frota sem que houvesse a elevação dos preços.
O documento é claro ao demonstrar a que não há incompatibilidade entre a abertura do mercado e a atividade das agências reguladoras.
Em meio a uma grave crise sanitária e econômica, em que pequenas empresas e o setor de turismo estiveram entre os mais afetados, o Congresso ameaça tornar novos negócios e novas tecnologias ilegais com regulações que carecem de justificativa técnica, acabando com milhares de empregos e elevando os preços para aqueles que pretendem viajar pelo Brasil.
O objetivo do PL 3819/2020 parece ser o de sufocar e oligopolizar o setor de transportes, beneficiando apenas as grandes empresas já estabelecidas, uma vez que o art. 47-B abre as portas para ainda mais restrições ao transporte terrestre regular interestadual e internacional de passageiros com justificativas subjetivas e tecnicamente precárias e o art. 5º acaba com mais de 14 mil autorizações concedidas desde 30 de outubro de 2019.
Aumentar os custos das pequenas empresas, inviabilizando novos negócios, diminuir as opções dos consumidores, aumentando os preços do transporte terrestre, prejudicando o setor de turismo, não são as medidas que o Brasil precisa para retomar a economia pós-crise. Pelo contrário, as reformas que o país precisa vão na linha contrária: abertura de mercado, fim de regulações restritivas, incentivo à inovação e aumento das opções para os consumidores.
A renovação do modelo é algo inevitável e bem-vindo. A inovação não pode ser impedida e esse foi o argumento das novas empresas, que acabou ganhando o debate jurídico junto ao Poder Judiciário. Por ter sido tão demandada judicialmente, a Buser acabou ganhando os holofotes, mas vem surgindo outras empresas dispostas a prestar o serviço de forma inovadora.
A criatividade aliada à tecnologia traz soluções para conectar um país com dimensões continentais. Entretanto, empresas já estabelecidas vem tentando travar a competição por meio de ações judiciais. Assim como os vendedores de vela tentaram barrar a lâmpada e os táxis tentaram barrar o Uber e a 99, agora as empresas de ônibus tentam barrar novas tecnologias em seu setor. Elas já perderam o debate no Judiciário e agora tentam reverter a derrota no Legislativo. Resta saber se as empresas tradicionais ou os consumidores sairão vitoriosos.
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