BRASÍLIA – O movimento por reajuste de salários dos servidores públicos se espalha com a adesão de novas categorias e ameaças de greve, enquanto o governo terá que enfrentar um problema adicional para administrar a pressão do funcionalismo: recursos disponíveis ainda menores.
Leia também
“Reforma foi crédito de confiança”, por Gustavo Franco
Ontem, a escalada do movimento de entrega de cargos subiu mais um degrau. Após os servidores da Receita Federal e do Banco Central entregarem seus cargos comissionados, mais de 150 auditores fiscais do Trabalho já deixaram seus postos de chefia ou coordenação.
Um “Dia Nacional de Mobilização” dos servidores federais por reajuste salarial foi marcado para 18 de janeiro, pelo Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate). Se não houver resposta pelo governo, a categoria planeja outras paralisações nos dias 25 e 26 de janeiro e indicativo de greve geral em fevereiro.
A reivindicação dos servidores ocorre em um momento de perda do poder de compra dos trabalhadores que têm afetado todas as categorias, incluindo no setor privado.
Entre janeiro e novembro de 2021, o reajuste médio obtido pelos trabalhadores das empresas privadas por meio de negociações coletivas foi de 6,5%, segundo o Salariômetro da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), que acompanha os resultados reunidos pelo Ministério da Economia.
Esse reajuste foi insuficiente para cobrir a inflação média acumulada em 12 meses que, no mesmo período, atingiu 8,4%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Negociações
Com o presidente Bolsonaro fora do trabalho e o ministro da Economia, Paulo Guedes, em recesso de fim de ano, as negociações estão na estaca zero com um cronograma apertado e sem uma mesa de diálogo aberta até agora pela equipe econômica, que é responsável pela gestão de pessoal.
O movimento começou após o presidente Bolsonaro anunciar em dezembro que faria uma reestruturação das carreiras policiais ligadas ao Ministério da Justiça, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal e do Departamento Penitenciário Nacional.
As propostas construídas pelas três polícias já custavam mais que o R$ 1,7 bilhão que ficou no Orçamento de 2022. O presidente terá que bater o martelo se o dinheiro será ou não destinado para a área de segurança ou atendimento, ao menos parcial, de demandas de outras categorias.
Os auditores fiscais da Receita, que deflagraram o movimento com a entrega de carros de chefia, estão fazendo operação tartaruga, com impacto na liberação das mercadorias em alfândegas terrestres e também no Porto de Santos.
As categorias de elite são as que mais fazem pressão e têm poder de mobilização pelo impacto que uma paralisação delas pode afetar a economia. Como no caso da Receita, os auditores do Trabalho cobram ainda a regulamentação do bônus variável por eficiência, que foi aprovado pelo Congresso há cinco anos, mas ainda não entrou em vigor.
“Embora tenha havido alguma sinalização para os servidores da Receita, ainda não chegou nada para nós. Não existe possibilidade de sair bônus variável para Receita e não para os auditores do Trabalho. Se isso acontecer, vamos para a maior mobilização da nossa história. Já fizemos greve e operação padrão em outras oportunidades”, avisa o vice-presidente do Sinait, Carlos Silva.
Salários
O ministro Paulo Guedes e sua equipe trabalham para conter o movimento e avaliam que os salários dos servidores, que contam com estabilidade, ainda estão elevados em comparação aos dos trabalhadores da iniciativa privada mesmo depois do congelamento de dois anos.
Um salário inicial de auditor Fiscal da Receita Federal, por exemplo, é de R$ 21.029,09 e o final de R$ 30,303,62. Guedes tem alertado que o teto de gastos estará sob nova pressão se o governo conceder mais reajustes com espiral negativa para alta do dólar, queda da Bolsa e impacto na inflação.
O economista sênior e sócio da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto, avalia que a revolta do funcionalismo federal é mais um elemento que complica o cenário fiscal para 2022 e aumenta a tensão dos mercados. “Toda essa pressão por medida que piorem as contas públicas mantém os ativos brasileiros pressionados, com o dólar e os juros em alta e a bolsa em queda”, destaca.
Campos lembra que o orçamento brasileiro já é mais de 90% comprometido com despesas obrigatórias (pessoal e Previdência, principalmente), sobrando pouquíssima margem de manobra para negociar reajustes que alcancem todas as categorias. “E já foram feitas diversas manobras para acomodar outras despesas com foco eleitoral. Quando se abre algumas exceções, é claro que gera um descontentamento de quem não foi contemplado. É um belo de um problema e mais um ponto de estresse e incerteza para este ano”, diz.
Para o economista, uma solução definitiva para esses impasses poderia vir com a reforma administrativa, mas ele mesmo descarta que ela possa ser votada em 2022. “Não há nenhuma chance de avançar com a reforma no curto prazo e, além disso, ela dependerá muito do resultado eleitoral. É preciso um governo comprometido de fato com essa briga e sabemos que nem todos os candidatos estão dispostos a isso”.
Enrosco
O Orçamento de 2022 foi aprovado com a previsão para conceder reajuste para o exercício deste ano e do ano cheio de 2023 com o mesmo valor, de R$ 1,79 bilhão. Acontece que essa não é a praxe.
Para o primeiro ano, a previsão leva em conta sempre uma quantidade de meses menor de vigência do reajuste até que o projeto seja negociado com as categorias, aprovado pelo Congresso e o governo possa rodar a folha de salários.
Para 2022, o limite máximo para aprovação do reajuste pelo Congresso é o mês de maio para o governo rodar a folha de junho antes das restrições do ano eleitoral. Se o reajuste começar a ser pago neste mês, os recursos para o ano cheio teriam que ser o dobro, R$ 3,4 bilhões.
Projetos que tratam de despesa de pessoal são de prerrogativa exclusiva do presidente da República e têm que contar com a previsão de recursos para dois anos (do exercício e anualizado). As dotações estão em tabela de anexo da lei orçamentária.
Com mais esse problema, ou o governo reduz ainda mais a previsão para o reajuste ou terá mesmo que enviar um projeto (PLN) ampliando os recursos para os aumentos.
Fonte: “Estadão”, 06/01/2022
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil