A câmara dos deputados aprovou, na quarta-feira, o projeto que fixa o salário mínimo em R$ 545 e estabelece uma política de reajustes até 2015. Foi uma importante vitória da presidenta Dilma Rousseff em seu primeiro teste no Congresso. Além de derrubar as propostas do mínimo de R$ 600, do PSDB, e de R$ 560, do DEM, o governo pretende cortar R$ 50 bilhões em despesas. São os passos iniciais da gestão Dilma, num momento em que sobe a expectativa de inflação.
Os preços da energia, da comida e das matérias-primas básicas dispararam nos mercados internacionais. A inflação mundial está subindo. Os bancos centrais dos países emergentes já iniciaram ciclos de elevação em suas taxas de juros. Brasil e China, por exemplo, enfrentam uma importante deterioração das expectativas inflacionárias. Por outro lado, de olho nas altas taxas de desemprego que persistem, as autoridades monetárias das economias avançadas permanecem complacentes ante a perspectiva de elevação dos preços. O banco central americano, Federal Reserve, por exemplo, mantém sua política de crédito fácil e dinheiro barato para estimular a produção e o emprego, apesar dos sinais de uma recuperação cíclica nos Estados Unidos.
As Bolsas de Valores registraram essas mudanças de expectativas nos últimos três meses. As previsões de desaceleração dos emergentes, enquanto melhoravam as perspectivas da economia americana, explicam ao mesmo tempo (1) uma avalanche de vendas de ações e quedas de preço na Bolsa brasileira; (2) uma repatriação parcial de fundos para os mercados acionários nos EUA; e (3) a continuidade da trajetória de alta das Bolsas americanas em meio à correção das Bolsas emergentes.
A inflação que vem por aí é uma variante muito resistente aos tratamentos convencionais. Trata-se do “cost-push”, uma pressão de custos que começa com a elevação dos preços das commodities e das matérias-primas, transmite-se aos salários e vai subindo por toda a cadeia produtiva, aumentando custos, derrubando margens de lucro e forçando elevações de preço. E, o que é pior, sem muita consideração pelas condições de demanda na economia. As pressões de custos e a deterioração das expectativas inflacionárias empurram os reajustes de preço para cima, derrubando o ritmo de vendas e a criação de empregos.
O forte crescimento sincronizado da economia global no período 2003-2007 preparou essa bomba-relógio. Por trás de um “cost-push” sempre houve um “demand-pull”, ou seja, uma puxada prévia e exagerada na demanda. Dezenas de milhões de consumidores encomendam automóveis em escala planetária; a indústria automobilística repassa a ordem à siderurgia e à petroquímica; e essas indústrias finalmente transmitem as pressões de demanda às matérias-primas básicas: milhões de toneladas de minério de ferro e de barris de petróleo em águas profundas. Enquanto isso, o crescimento acelerado da renda nos países emergentes permitiu um formidável aumento na demanda por comida, fazendo disparar os preços das commodities agrícolas.
Enfrentávamos a primeira onda do “cost-push” quando estouraram as bolhas dos imóveis e das Bolsas em 2007-2008. O colapso do crédito e a grande recessão de 2008-2009 mantiveram suspensa a dinâmica perversa do cost-push. Mas as políticas contracíclicas acionadas ao mesmo tempo em todo o mundo em 2009-2010 ameaçam reativar o processo inflacionário mundial em 2011-2012. Vem aí a segunda onda de pressões de custo.
Daí a importância da aprovação do mínimo de R$ 545 na primeira batalha de Dilma Rousseff no Congresso. Foi bloqueada a transmissão instantânea dessas pressões de custo para os salários. Mas a aprovação simultânea de uma política de reajustes automáticos pode tornar o triunfo de Dilma uma vitória de pirro. Qualquer indexação de salários em períodos de cost-push potencializa extraordinariamente o fenômeno. Aumenta a inflação e destrói empregos.
Publicado na revista “Época”
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