A classe média, que já havia sido eleita pelo Democratas como seu alvo preferencial na tentativa de reconstrução, agora, com o aval do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu artigo na revista “Interesse Nacional”, tornou-se o objeto de desejo das oposições.
O Fórum da Liberdade, na sua 24ª edição, terminou ontem em Porto Alegre, após dois dias discutindo o papel das novas mídias na sociedade, o alcance das mudanças que elas provocam e, sobretudo, a liberdade na era digital, que era, enfim, o tema central do seminário.
O público, eminentemente jovem, parecia se enquadrar perfeitamente na definição de classe média descrita pelo ex-presidente Fernando Henrique no artigo sobre o papel das oposições.
O ex-presidente defende a tese de que os partidos de oposição devem eleger a classe média como seu público-alvo, pois o “povão” estaria já cooptado pelos programas sociais do governo petista.
E que classe média seria essa?
“Existe toda uma gama de classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de novo tipo e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas ligadas à TI (tecnologia da informação) e ao entretenimento, aos novos serviços espalhados pelo Brasil afora”, ensina FH.
Esse público-alvo estaria mais conectado às novas mídias sociais do que à atividade partidária, embora esteja fazendo política o tempo todo, sem que os políticos tradicionais se deem conta disso.
A tarefa das oposições seria, segundo FH, utilizar essas mesmas ferramentas para tentar atrair seus usuários, em vez de modorrentas e burocráticas reuniões partidárias que só fazem afastar os cidadãos comuns da atividade política, a que eles e os políticos só recorrem às vésperas de eleições.
O poder das novas mídias, como o Facebook e o Twitter, foi dos temas mais debatidos no Fórum da Liberdade, e houve de tudo, desde o depoimento de Rony Rodrigues, jovem empresário defensor intransigente das maravilhas da internet, sem aceitar qualquer reparo a essa ferramenta, até o contraponto do economista Rodrigo Constantino, que se encarregou do papel de “advogado do diabo” para desconstruir a propalada força de mobilização de tais mídias sociais, responsabilizadas pela recente revolta popular nos países árabes.
Constantino considera uma ingenuidade achar que foi o Facebook que levou à queda de Mubarak no Egito, por exemplo, e atribui o sucesso dessa nova mídia à espetacularização das relações sociais no momento que o mundo globalizado vive.
Ele chamou a atenção para a quantidade de lixo que se encontra na internet, repisando uma crítica que já havia sido feita anteriormente por Carlos Alberto Sardemberg, fortemente contestado por Rony Rodrigues, que disse que a navegação ela internet pode levar o usuário a acessos interessantes e importantes como também a lixos, o mesmo acontecendo em uma livraria tradicional.
A superficialidade do conhecimento adquirido pela internet foi outro ponto criticado por vários palestrantes.
No meu painel, dedicado a discutir a formação da opinião pública com o surgimento das novas mídias sociais, chamei a atenção para um detalhe que o ex-presidente Fernando Henrique destacou em seu artigo, o de que as oposições, além de trabalhar as novas mídias, “não devem, obviamente, desacreditar do papel da mídia tradicional: com toda a modernização tecnológica, sem a sanção derivada da confiabilidade, que só a tradição da grande mídia assegura, tampouco as mensagens, mesmo que difundidas, se transformam em marcas reconhecidas”.
O ex-presidente é amigo pessoal e uma espécie de guru do sociólogo Manuel Castells, da Universidade Southern California, nos Estados Unidos, um dos maiores estudiosos da nova sociedade civil que vem se organizando através das novas mídias, que, segundo ele, têm agora “os meios tecnológicos para existir independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massa”.
Justamente por isso, Fernando Henrique chama a atenção de seus pares para que não deixem sem acompanhamento essa legião de usuários da internet e seus derivados, que descobriu a força da união digital, mas não se liga na ação política através dos partidos.
Essa ação através das mídias sociais tenta preencher o que Castells define de “vazio de representação”, que foi criado pela vulgarização da atividade político-partidária, que caiu no descrédito da nova geração de usuários da internet.
Essas “mobilizações espontâneas usando sistemas autônomos de comunicação” criam um espaço público que o ex-presidente quer ver ocupado pelas oposições, mas que os integrantes da chamada Geração Y consideram instrumento de organização e debate para decisões coletivas, como ressalta Castells.
Seguindo a mesma linha de raciocínio do ex-presidente FH, destaquei em minha fala no Fórum da Liberdade que o jornalismo, seja em que plataforma se apresente, continua sendo o espaço público para a formação de um consenso em torno do projeto democrático.
Os jornais ainda são a fortaleza maior do jornalismo de qualidade, tão importante para a democracia.
Lembrei que a tese de que as novas tecnologias, como a internet, os blogs, o Twitter e as redes sociais de comunicação, como o Facebook, seriam elementos de neutralização da grande imprensa é contestada por pesquisas de especialistas das universidades de Cornell e Stanford que definem a internet como a “caixa de ressonância” da grande imprensa, de quem precisa para se suprir de informação e para dar credibilidade às informações.
Não é à toa, ressaltei, que os sites e blogs mais acessados tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil são aqueles que pertencem a companhias jornalísticas tradicionais, já testadas na árdua tarefa de selecionar e hierarquizar a informação.
O jornalismo profissional tem uma estrutura, uma forma profissional de colher e checar informações que a vasta maioria dos blogueiros não tem.
Um exemplo de exceção que destoa dessa regra apenas para confirmá-la é o Huffington Post, que se destacou nos Estados Unidos como um blog de informações e análises, muitas vezes exclusivas, mas que acabou montando uma estrutura profissional com o auxílio de investidores privados e terminou dentro de uma grande estrutura, a AOL, preservando as características iniciais de um blog independente, mas se organizando como as grandes estruturas profissionais jornalísticas, o que certamente só aumentará seu poder de fogo.
Fonte: O Globo, 13/04/2011
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