São Paulo, Brasil, 1971. Jogando contra a Áustria, Pelé faz seu último gol pela Seleção Brasileira. Local: Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi, palco sagrado de mais de uma década de lances geniais do maior jogador de todos os tempos. Se, naquele momento, alguém escrevesse uma crônica futurista sobre uma Copa do Mundo no Brasil, na qual o Morumbi ficaria fechado e a abertura da competição seria jogada no estádio Itaquerão, o autor seria considerado um péssimo humorista.
O que seria só uma piada de mau gosto naquele momento histórico é plena realidade 40 anos depois. Eis o roteiro que ninguém levaria a sério naquele tempo (e em nenhum outro): o Brasil ganha a sede da Copa do Mundo de 2014 e o Morumbi, um dos principais estádios do mundo, é barrado no baile. Seu projeto de reformas, orçado em quase R$ 300 milhões, é considerado “insuficiente”. Sob regência do corintiano Luiz Inácio Lula da Silva e a bênção da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF, surge um projeto considerado “mais viável” pelos organizadores da competição: a construção de um novo estádio no distrito paulistano de Itaquera por R$ 820 milhões.
Questionado algumas vezes se o milagre do Itaquerão iria mesmo se consumar até a Copa do Mundo, o presidente do Corinthians – e mago do projeto – apresentou sua garantia: Lula quer. Um argumento forte. Como todos sabem, quando Lula quer, os caminhos se abrem – e os cofres públicos também.
A engenharia financeira do novo estádio é mais espetacular que final de Copa do Mundo (especialmente para quem a montou). O dono é o Corinthians, mas a “garantidora” é a empreiteira encarregada das obras. Ela vai garantir a entrada daqueles milhões todos com um “fundo de investimento imobiliário” que ainda não existe. Mas, quando as cotas desse fundo forem postas à venda no mercado, tudo vai dar certo: o BNDES despejará R$ 400 milhões no canteiro de obras.
Como se vê, quando Lula quer, as coisas acontecem. Deve ser o tal carisma de que tanto falam.
E como o Corinthians vai pagar ao BNDES essa dinheirama que a construtora “garantiu” e recebeu (sob a fiel torcida de Lula)? Com “eventuais patrocínios” e venda de ingressos no Itaquerão. Poderiam ter acrescentado ao projeto a venda de picolés dentro do estádio. Sem os picolés, essa conta vai levar só mais uns 40 anos para ser paga – na hipótese otimista de que seja devidamente cobrada. Serão 80 anos do último gol de Pelé pela Seleção no Morumbi, o que não terá mais a menor importância, considerando a sucessão de glórias que virão com a era do Itaquerão.
O mais genial dessa engenharia é que o garantidor final dos recursos, o avalista do BNDES, é uma entidade que nunca falha: você, que paga religiosamente, com impostos diretos e indiretos, quase a metade do que ganha.
O projeto do Itaquerão contará também com isenções fiscais de até R$ 420 milhões. É você, de novo, fazendo a diferença. Houve só um probleminha nesse projeto impecável: faltaram 20 mil lugares para que o estádio possa receber público de Copa do Mundo. Um detalhe. Mas a solução já está encaminhada: o governo de São Paulo vai entrar com mais R$ 70 milhões para o “arremate”.
É comovente ver o Poder Público brasileiro movendo montanhas (de dinheiro) para substituir o Morumbi pelo Itaquerão na Copa de 2014. O Brasil estava mesmo precisando de uma grande causa.
Assim como várias outras obras para a Copa, o Itaquerão está em perfeita consonância com projetos como o trem-bala e a usina hidrelétrica de Belo Monte, “meninas dos olhos” do governo Lula-Dilma. Todos eles se encaixam numa forma de capitalismo absolutamente nova, que não precisa de capital: o governo combina tudo com a iniciativa privada e chama o contribuinte para pagar.
Itaquera será o símbolo da Copa do Mundo Ltda., essa que os brasileiros já começaram a perder. De goleada.
Fonte: revista Época
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