Por Renato Pacca e Fabricio Neves
Nelson Rodrigues cunhou a expressão “pátria em chuteiras”, sintetizando a paixão do brasileiro pelo futebol. Atualmente boa parte da opinião pública anda incorporando a lógica esportiva aos assuntos políticos. Insiste-se, por exemplo, em julgar a qualidade de um deputado pela quantidade de projetos apresentados, como se cada iniciativa, por si só, resultasse na marcação de um gol.
O deputado federal Romário de Souza Faria já foi criticado por jogar futevôlei e faltar a uma sessão que não exigia sua presença. A imprensa chegou a comparar a atuação do baixinho com a de Bebeto, seu ex-companheiro de ataque na seleção tetracampeã, que mal assumiu uma cadeira na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro e apresentou quatro projetos de lei. Goleada, escreveram.
Será? Antes de calçar chuteiras para acompanhar o trabalho de nossos ilustres representantes, é preciso que o eleitor incorpore as lentes da razão. Um dos projetos de Bebeto propõe que Light e Ampla só vistoriem medidores depois de notificar os clientes e com o aviso de recebimento da correspondência em mãos. O deputado também quer que inadimplentes sejam informados de cortes de energia com 24 horas de antecedência. Iniciativa inconstitucional, pois pretende legislar sobre matéria de competência federal.
Outro projeto propõe o desconto no IPVA para condutores sem infrações. Nova inconstitucionalidade, por vício de iniciativa, que ofende a Lei de Responsabilidade Fiscal. Um terceiro pretende implantar exames toxicológicos em jovens de 10 a 18 anos nas escolas públicas, o que viola o direito de privacidade amparado pela Constituição. A quarta iniciativa sugere a instalação de detectores de metais em lotéricas, medida inócua para combater os assaltos que afligem esses estabelecimentos, 90% deles localizados em lojas de beira de rua.
Já vimos esse jogo antes: a cada nova legislatura, a quantidade de projetos aumenta em proporção inversa à qualidade. Afora as inconstitucionalidades e tolices, a missão do legislador não pode se limitar a propor a constante alteração das leis existentes, pois a ninguém interessa normas que mudam incessantemente, causando instabilidade jurídica. Entre as funções elementares e mais importantes do legislativo, que deveriam ser exercidas de fato, está a de fiscalizar o poder executivo e votar as leis orçamentárias.
Cullem Hightower observou nos EUA que “os erros cometidos pelo Congresso não seriam tão ruins se os próximos congressistas não continuassem a tentar corrigi-los”. Insistindo na brasileiríssima comparação futebolística, um deputado discreto e efetivo pode ser mais útil no campo de jogo legislativo do que aqueles que propõem uma infinidade de projetos tão mirabolantes quanto irrelevantes, atrapalhando o meio de campo e a evolução natural do jogo.
infelizmente, as pessoas nao têm muita noçao de como a ignorância causa prejuízos ao país.