Quando o Brasil apresentou sozinho sua candidatura para sede da Copa do Mundo de 2014, alguns anos atrás, sabia-se perfeitamente que a escolha implicaria uma série de compromissos com o órgão detentor e organizador do evento, a Fifa.
Entidade privada e senhora absoluta dos direitos sobre o evento esportivo mais assistido ao redor da Terra, a federação tinha um conjunto de regras que, discutíveis ou não, o país-sede deveria acatar.
A conquista do direito de organizar o certame desencadeou dentro do Brasil uma disputa para se saber quais, entre as capitais, sediariam os jogos. Houve, na época, uma disputa acirrada e, no caso de capitais como Belém, Cuiabá e Natal, passou a ser uma questão de honra ser a sede de três ou quatro jogos do Mundial.
Quando essas e outras cidades – inclusive aquelas que não ficariam de fora, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte – se lançaram à disputa, também já eram conhecidas as regras que a detentora dos direitos determina para a realização do evento.
Entre elas, as que não reconhecem o direito à meia-entrada nos jogos e as que liberam a venda de bebida alcoólica dentro dos estádios. Portanto, que ninguém venha considerar uma interferência indevida da Fifa a exigência para que esses e outros dispositivos da Lei Geral da Copa do Mundo e de algumas leis estaduais não tenham efeito sobre os jogos do Mundial.
Portanto, está certa a presidente Dilma Rousseff, que, por meio do ministro do Esporte Orlando Silva, reconheceu a necessidade de se alterar alguns pontos da lei votada pelo Congresso. A previsão da meia-entrada realmente não se aplica à Copa.
Como, aliás, não deveria se aplicar a outras atividades. Nos últimos anos, produtores culturais têm se queixado que a proliferação de carteirinhas de estudantes, distribuídas sem critério por dezenas de instituições de ensino, compromete a rentabilidade dos espetáculos.
O direito à meia-entrada é um daqueles exemplos em que os legisladores fazem caridade com o esforço alheio, e estendê-lo à Copa do Mundo é um absurdo. É difícil imaginar o que a presença num jogo entre, digamos, Tunísia e Dinamarca irá acrescentar à bagagem cultural do estudante brasileiro.
A eterna mania nacional de dar um jeitinho para participar da festa e, uma vez lá dentro, tentar convencer o DJ a tocar música pop em vez do rock que estava programado é um dos hábitos brasileiros que a Copa do Mundo pode ajudar a eliminar.
Além disso, é difícil saber se a venda de bebidas dentro dos estádios é pior para a segurança do que o hábito adquirido por torcedores de consumir álcool nos arredores e já entrar embriagados nos estádios. Na prática, é o que tem acontecido pelo Brasil afora desde que essa medida virou lei na maioria das cidades.
Rever a lei da Copa do Mundo é uma providência sensata. A menos de mil dias para o evento e com uma série de investimentos programados em torno deles, é melhor fingir que houve um mal-entendido e agir de acordo com a norma que já vigorava antes da candidatura do que correr o risco de ver o detentor do direito desistir e, em menos de mil dias, organizar o evento em outro país. Sim, a Fifa tem esse direito.
Fonte: Brasil Econômico, 04/10/2011
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