Nas últimas semanas eu e o(s) leitor(es) vimos diversas notícias sobre a Varig. A outrora poderosa empresa de aviação brasileira encontra-se em situação dramática e é bem provável que desapareça. Pessoas terão de procurar outros empregos e alguns enfrentarão a realidade da falência…a não ser que alguém no governo lhe injete dinheiro público.
Quero deixar claro que não me agrada ver pessoas desempregadas, mas também me corta o coração ver o contribuinte, que nem sabe quanto paga de impostos anualmente, ser novamente convocado – impostos são “impostos”, não voluntários – a socorrer qualquer empresa privada, inclusive a Varig.
Neste, como em outros episódios da história empresarial brasileira, há pessoas contra e a favor do uso do dinheiro público para resolver um problema privado.
Para começar, existem os donos da Varig que, como todos empresários, adoram a possibilidade de minimizar custos de ajustes dolorosos e gostam de regulação pública. Gostam? Sim, porque a regulação é uma das formas de proteção que eles têm contra a concorrência. Veja bem, não digo que os burocratas da regulação os atendam de forma consciente, mas a porta entreaberta sempre pode ser escancarada com um educado chute e, claro, todo cuidado é pouco.
Há também os clientes das empresas aéreas. Estes desejam voar para diversos lugares do mundo com um certo padrão de qualidade, ou seja, desejam um mercado aéreo economicamente eficiente, com ou sem a Varig.
Existem alguns funcionários da Varig que pedem por recursos públicos para sua empresa. Se eles percebem que um mercado eficiente maximiza o bem-estar social, sabem que a defesa da concorrência é parte de sua agenda. Isto porque o montante de riqueza gerada é o maior possível sob livre concorrência. Logo, seu pedido por socorro público, se bem-sucedido, resultará em mais recursos numa economia competitiva do que numa oligopolizada. Talvez seu argumento possa ser mais sofisticado: podem querer uma economia fortemente competitiva, mas na qual apenas sua empresa tenha acesso a recursos públicos. Afinal, pimenta nos olhos dos outros…
Há os formadores de opinião pública, ou intelectuais. Uma parte deles defende a injeção de recursos públicos na empresa, o que os coloca, involuntariamente ou não, no mesmo grupo dos empresários acima citados. Dá até uma impressão de “consenso social”, mas são apenas dois grupos interessados em diminuir o grau de competição dos mercados por motivos distintos.
Finalmente, existe o governo, subdividido, aqui, em burocratas responsáveis pela regulação e políticos. Também entre eles existem defensores e opositores do socorro público. No caso dos políticos, isto é mais volátil, dada sua permeabilidade à pressão dos grupos de interesse.
O que está em jogo no caso da Varig é a existência de um sistema de transporte aéreo eficiente para o Brasil. A Varig – ou qualquer outra empresa – é apenas parte deste sistema que, sim, é dinâmico. Ele resulta de milhares de decisões empresariais e de consumidores ao longo dos anos. A famosa “destruição criativa” de Schumpeter é algo a ser considerado quando se pensa no sistema capitalista, pois nem sempre as empresas de um setor específico da economia são as mesmas ao longo da história.
No final das contas, é bom lembrar que o mercado é o menos pior dos sistemas de alocação de recursos: ele faz com que aqueles que desejam pagar mais por um bem encontrem os que conseguem vendê-lo ao menor custo. E isto não é sinônimo de felicidade para todos pois empresas que vendem a um custo maior do que o máximo que as pessoas desejam pagar pelo produto são excluídas do mercado. A Varig, por motivos os mais diversos (talvez até com alguma culpa do governo), encontra-se neste caso.
O capitalismo tem prazeres e dores e há grupos que agem para aumentar ou diminuir cada um deles, às vezes até sem o perceber. Quanto mais liberal o capitalismo, mais os indivíduos internalizam tanto custos como benefícios de suas próprias ações. Quanto menos liberal, mais os custos e benefícios de uma ação individual são distorcidos. Um exemplo é a famosa “socialização de prejuízos e concentração de lucros”. Se viveremos sob um capitalismo mais ou menos liberal, isto é algo que depende de cada um de nós.
O título deste artigo – e sua própria confecção – inspira-se em “The pleasures and pains of modern capitalism” de George Stigler, publicado em “Explorations in Economic Liberalism – The Wincott Lectures”, editado por Geoffrey E. Wood pela MacMillan em 1996.
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