A mais baixa taxa de juros ao consumidor é aquela cobrada no financiamento de automóveis. A razão é a garantia firme. Ocorrendo a falta de pagamento, a financiadora recupera o carro e o coloca em leilão, em prazo curto para os padrões brasileiros. Pois está mudando. Em diversas cidades, consumidores estão recorrendo à Justiça para não cumprir cláusulas contratuais. O argumento, elaborado por advogados que acreditam ter encontrado mais um nicho de mercado, sustenta que juros e taxas são abusivos – e muitos juízes estão aceitando a causa. Ou seja, se o consumidor não conseguiu pagar, a culpa está na cobrança abusiva dos bancos, mesmo que esteja tudo regular com os contratos.
Qual a conseqüência? Nas cidades em que esses processos são mais freqüentes, o crédito ao consumidor fica mais restrito, os juros e as taxas sobem. É claro. Os bancos passam a emprestar apenas para os clientes absolutamente seguros e cobram mais caro destes para cobrir eventuais prejuízos.
É isso mesmo: uma ação com o suposto objetivo de combater juros altos termina com juros mais caros, exatamente numa área em que as taxas são as menores.
Menores, mas ainda assim abusivos, tal é o argumento levantado por advogados e entidades de defesa do consumidor. A tese tem sido aceita em diversos tribunais.
Mas como se calcula o abusivo? A partir de quanto a taxa deixa de ser normal?
Como não se faz essa conta, a questão cai na subjetividade, na opinião e na ideologia. A taxa básica de juros no Brasil, definida pelo Banco Central, é hoje de 11% ao ano. Nos EUA é zero, na Zona do Euro, 1,5%, e mesmo aqui perto, no Chile, por exemplo, é de 5,25%, a metade da nossa. Logo, esses nossos 11% são abusivos, não é mesmo?
Muitos economistas, políticos, líderes empresariais e sindicais, assim como órgãos de defesa do consumidor, pensam desse modo e ficam procurando maneiras de intervir no caso.
Uma é pressionar o Banco Central, que define a taxa básica de juros. Outra é fazer pressão sobre o sistema financeiro. Outra é aprovar leis que regulem as práticas no setor de crédito. O quarto caminho, cada vez mais freqüente, é recorrer aos tribunais. Para isto, conta-se com uma tendência ideológica muito forte no Judiciário brasileiro. Resumindo, e indo para o essencial, essa linha sustenta que os juízes podem, sim, ignorar a lei e o contrato e julgar conforme sua convicção pessoal (e subjetiva). Para “fazer justiça”, o juiz pode rasgar contratos e passar por cima de leis.
A tese parece bonita, encanta muitos juízes, que acreditam estar agindo em “nome do povo”. O resultado disso é uma ampla insegurança jurídica.
Constituição, leis e contratos, tudo escrito, são uma conquista da civilização ocidental. O império da lei é a base da democracia, da liberdade e dos direitos individuais.
Se cada governante pudesse decidir conforme sua convicção subjetiva, por mais esclarecido e bem intencionado que fosse, o resultado seria a ditadura. Se cada pessoa pudesse fazer o que bem quisesse, o resultado seria um conflito social permanente. Se empresas ou bancos pudessem fazer negócios com as regras que escolhessem, de novo o resultado seria um permanente conflito econômico. Em qualquer caso, estamos no terreno da violência, da insegurança e da eliminação das liberdades.
Daí as leis – aprovadas em parlamentos eleitos democraticamente – e os contratos – assinados por partes que negociam livremente. Todos concordam em viver sob um determinado regime jurídico e político.
Ora, desculpem-me o exagero, mas quando juízes “fazem justiça” com base em sua convicção pessoal (e, pois, ideológica e política), passando por cima de leis e contratos, são tão arbitrários quanto um ditador.
Juízes não têm o direito de agir “em nome do povo”. Não foram eleitos para isso. E, como não são eleitos, mas vitalícios, não podem ser punidos pelo povo no caso de a maioria entender que estão agindo mal. O governante ou o parlamentar eleito deve, sim, agir em nome do povo. E perderá a eleição seguinte caso o povo não concorde com sua ação.
O juiz, não. Não apresentou uma plataforma política, não a discutiu com os eleitores. Fez concurso e foi nomeado para a função de zelar pelo cumprimento das leis e dos contratos. Ao se colocar acima disso, assume um comportamento arbitrário e anti-democrático.
Sim, sabemos que os costumes, a cultura e, pois, as leis mudam com o tempo. Sabemos também que o Judiciário tem um papel importante nesse processo. Os juízes têm posição privilegiada para perceber as mudanças de comportamento e detectar situações que já não cabem no ordenamento jurídico vigente. Podem alterar a interpretação das leis.
Mas não podem mudar nem escrever as leis. Para isso, temos os parlamentos eleitos. E mesmo os parlamentos não podem agir arbitrariamente. Há regras e normas para seu funcionamento.
Eu também acho que os juros no Brasil são demasiadamente elevados. E esse é, talvez, o maior problema da economia brasileira hoje. Mas há causas objetivas que determinam essas taxas. Trata-se de identificá-las e agir sobre elas.
É possível. Os juros cobrados no Brasil vêm caindo ao longo dos últimos anos, em resposta a boas políticas econômicas e boas leis, como aquelas que dão garantia ao crédito. Isso funciona.
Já ações individuais, com o atropelamento das leis e contratos, provocam o efeito contrário, o aumento dos juros. É arbitrário e individualista. O sujeito assina o contrato, compra o carro, usa, não paga a prestação – e vai à justiça reclamar do juro abusivo. Ganhando a causa, salva seu interesse particular. E gera um aumento dos juros e do custo para a coletividade.
E o problema é que esse tipo de situação está ocorrendo em diversos setores. Voltaremos ao assunto.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 19/12/2011
já há muito tempo que estou revoltado com estas taxas escravizantes adotadas no Brasil, são tantos impostos, taxas, e outros nomes que inventam pra nos escravizar financeiramente, taxas de 2 por cento ao mês, é um absurdo, coisa de louco, mas tenho esperança no futuro.