No início deste ano de 2009, poucos se arriscavam em prever os desenlaces da crise, dado o cenário de total incerteza no horizonte global, numa transição crítica do governo norte-americano, pela saída do Presidente Bush e a esperançosa entrada de Barack Obama, além de uma série de indicadores econômicos, em mergulho recessivo.
Agora em agosto, passada a fase mais aguda da crise, o que se tem é a cenarização de uma retomada global, sendo consenso a perspectiva de crescimento em 2010. Nos EUA o que se projeta é uma taxa positiva de crescimento no terceiro trimestre e no Brasil um PIB positivo neste segundo. Isto, inclusive, nos leva a acreditar que os países emergentes conseguiram sair da crise primeiro que os ricos, ainda travados pela desconfiança dos consumidores, o desemprego em níveis preocupantes, um volume de crédito ainda insuficiente e o endividamento alto. Sendo assim, façamos, a seguir, um balanço do que aconteceu desde a eclosão da crise no quarto trimestre do ano passado.
A total “parada” nos canais de financiamento, tanto externos como domésticos, no quarto trimestre do ano passado, derivados da “quebra” do Lehman Brothers em meados de setembro do ano passado, acabou tendo um efeito perverso sobre o ritmo da economia global. Nos EUA, a retração do PIB no quarto trimestre chegou a 6,4% pelos dados anualizados, com o Japão despencando 12%. No Brasil, a queda também foi aguda, com o PIB recuando 3,6%, mesmo que fechando o ano com crescimento de 5,1%, em função do bom desempenho anterior, até o terceiro trimestre do ano anterior. Com este cenário de “travamento” no crédito, a produção industrial acabou duramente impactada, chegando a despencar 17% em janeiro passado, contra o mesmo período do ano passado, com forte impacto nos segmentos de duráveis e de bens de capital, dada a retração do crédito e a total falta de horizonte de planejamento dos empresários, que acabaram adiando seus projetos de investimento. Tivemos, então, entre o terceiro trimestre de 2008 e o primeiro deste ano o pior momento da crise, só comparável em intensidade à Grande Depressão dos anos 30.
Um dos motivadores na superação desta fase aguda da crise veio da pronta resposta das autoridades monetárias e dos tesouros nacionais, ambos com políticas anticíclicas coordenadas. A injeção de liquidez, por exemplo, superou os US$ 10 trilhões neste primeiro semestre, cerca de 3% do PIB global, com todos os bancos centrais atuando no sentido de liberar o crédito e restabelecer a normalidade nas operações dos seus sistemas bancários. O Banco Central do Reino Unido (BoE), um dos países mais diretamente afetados pela crise, pela “proximidade” com os EUA, reduziu sua taxa de juros a 0,5% anuais, assim como o Banco Central Europeu (BCE) rebaixou a 1% e o Fed ao “piso” entre zero e 0,25%, mas se preocupando com o ajuste quantitativo, com operações de compra de títulos públicos junto ao Tesouro, em troca de maior injeção de liquidez na economia norte-americana.
Somado a isto, vários mega pacotes foram anunciados nesta fase, como nos EUA por ocasião da posse de Barack Obama no início de fevereiro, com o “pacote Geithner”, pouco compreendido na sua fase inicial, mas depois de um maior detalhamento nas semanas seguintes, melhor aceito. Neste, o montante mobilizado chegou a mais de US$ 850 bilhões, com a maior parte – cerca de 70% do total – visando o saneamento do sistema bancário e o restante focando a economia real (economic street). Por lá, outros pacotes foram anunciados, como o visando pesadas obras de infraestrutura, assim como o focado em novos projetos sustentáveis, otimizadores de energia, escolas e hospitais. Um pacote, no entanto, acabou como decisivo, pela necessidade de um novo marco regulatório para o sistema bancário norte-americano. Entre abril e maio foi anunciado um “teste de stress” para medir os limites de resistência de 19 bancos dentre aqueles considerados “grande demais para quebrar”. Neste período, dentre os anúncios, recordemos o sobre o fortalecimento do Fed com novas atribuições na fiscalização do sistema bancário, assim como medidas saneadoras para a superação da inadimplência dos consumidores, como no caso dos detentores de cartões de crédito, um segmento para muitos prestes a estourar pela grande insolvência existente, assim como aos detentores de hipotecas imobiliárias.
No cenário doméstico várias medidas anticíclicas foram adotadas, tendo como destaque: mudanças nas regras do compulsório, liberando crédito para os bancos; pacote imobiliário para baixa renda, no programa “Minha casa, minha vida”; contínuos leilões cambiais para conter a apreciação do real; forte redução da taxa de juros Selic, entre janeiro e julho, recuando de 13,75% para 8,75% atualmente, e reduções de IPI para setores sensíveis ao crédito, como bens duráveis, neste caso destacando, pelo lado dos eletrodomésticos, “linha branca” e setor automotivo, além da construção civil. Tais medidas acabaram se mostrando acertadas, dados os recordes de produção automobilística neste primeiro semestre, assim como pela retomada das indústrias de transformação e de construção, segundo dados mais recentes, e a boa perfomance do comércio varejista, pouco afetado pela crise. Com isto, o desempenho do PIB brasileiro acabou registrando um “surto recessivo” entre o quarto trimestre e o primeiro deste ano – recuo de 3,6% e de 1,8%, respectivamente -, já havendo sinais concretos de retomada neste segundo trimestre, estimado para se expandir entre 1,5% e 2,0% contra o anterior.
É fato, também, a importância do consumo privado (das famílias) nesta recuperação, dada a preservação da renda real, com várias medidas tópicas adotadas pelo governo, como reajustes dos servidores públicos, reajuste real do salário mínimo – contribuindo para o déficit da Previdência acima de R$ 24 bilhões até junho deste ano, devendo passar de R$ 40 bilhões ao fim -, e a expansão do programa de transferência de renda “Bolsa Família”. Além disto, o desemprego, que chegou a beirar 9% da PEA no início do ano, acabou recuando a 8% em junho, num indício de melhora para o restante do ano. Pelas medidas de afrouxamento monetário adotadas, o crédito, em relação ao PIB, acabou indo a 43% em junho passado, devendo passar de 45% ao fim deste ano, em muito pela grande contribuição do crédito consignado.
Neste período, em nível global, encontros ocorreram, como o G20 na Inglaterra e o G8 na Rússia, ambos na luta pela redefinição de numa “nova arquitetura financeira internacional”. No primeiro, de concreto aumentou o poder do FMI, numa promessa conjunta dos países envolvidos de darem um maior aporte de recursos. Falou-se também na necessidade de um maior controle sobre as operações com fundos hedge, private equities e derivativos, assim como sobre os “paraísos fiscais”. Chegou-se a discutir sobre a necessidade da criação de uma agência supranacional, gerando uma nova regulamentação global, mas este assunto acabou pouco evoluindo, diante das particularidades de cada país na legislação dos seus sistemas bancários.
Ao fim do semestre em análise, e agora em agosto, o cenário que se abre para a economia global é bem mais otimista do que o descrito no início do ano. Naquele momento, o horizonte era de “terra arrasada”, com mais de 44 bancos de menor porte falindo nos EUA e poucos se atrevendo a prever os próximos desenlaces da crise.
Ao que parece, no entanto, é que o pior acabou ficando para trás, sendo louvável o esforço concentrado das autoridades envolvidas. Agora, o que se vê é a economia global se recuperando, mesmos que com “cicatrizes profundas”. Na visão do FMI, inclusive, para que esta retomada se confirme será essencial que os EUA voltem a exportar e os países asiáticos a importar, com destaque para a China. Sobre este país, nuvens escurar surgem, dado o desempenho de forte realização da bolsa de Xangai na semana passada. A hipótese de uma aperto monetário por lá assombra a todos, ainda mais quando se vê as políticas monetárias frouxas e por tempo indeterminado, definidas pelas autoridades em outros países mais afetados pela crise.
No cenário traçado pelo FMI, o crescimento global só deve ocorrer em 2010, estimado em 2,5%, com este ano sendo de retração de 1,4%. Para a economia norte-americana, a retração neste ano deve ficar em 2,6%, com reversão em 2010 e crescimento previsto de 0,8%. Os países ricos devem crescer 0,6% no ano que vem, recuando 3,8% neste 2009. Já os emergentes devem avançar 1,5% neste ano e 4,7% no ano que vem. Nestes, os BRICs terão a China como “motor” do crescimento, com expansão de 7,5%, avançando 8,5% no ano que vem; a Rússia, que mergulhou 10,2% neste segundo trimestre, deve recuar 7,5% neste ano e se recuperar, crescendo 1,5%, no ano que vem; a Índia deve crescer 5,4% e 6,5, respectivamente, e o Brasil recuar 1,3% neste ano para crescer 2,5% em 2010.
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