Com multidões em marcha contra o desemprego, o Dia do Trabalho foi celebrado na Europa como um dia de protesto contra o aperto fiscal e a recessão. Com desocupação acima de 10% da mão de obra, a zona do euro já enfrenta quatro anos de estagnação econômica. Os governos poderiam ter tomado outro caminho e poupado sofrimento a milhões de famílias, segundo a pregação de ilustres economistas. Para mudar a política, no entanto, as autoridades precisam ainda cuidar de um detalhe: combinar com o mercado financeiro. Resolvido esse problema, os governos darão prioridade ao crescimento, empregos serão criados, mais impostos serão recolhidos e as contas públicas serão arrumadas com mais eficiência e menos incômodos para todos. No começo, os buracos orçamentários poderão aumentar, mas sem consequências graves, se os banqueiros e outros financiadores continuarem comprando títulos públicos e rolando as dívidas vencidas. A solução é simples e a argumentação é sedutora, mas a turma do mercado aceitará a combinação? Os críticos da austeridade parecem esquecer ou menosprezar esse detalhe. Mas será muito difícil iniciar outro jogo sem a participação dos credores do setor público.
Esses financiadores têm algumas características altamente nocivas à ação dos governos. Em primeiro lugar, agem como esquizofrênicos, como observou há pouco o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard. Cobram políticas severas de ajuste orçamentário, mas, quando essas políticas prejudicam o crescimento, reagem de forma negativa, como ocorreu de novo, nos últimos dias, quando foi confirmada – sem surpresa – a recessão na Espanha.
Seus critérios de confiança também dificultam a condução de políticas públicas. A dívida espanhola deve ficar neste ano em torno de 79% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo projeção do FMI. O endividamento estimado para outros países é muito maior. Bastam alguns exemplos: 235,8% para o Japão, 153,2% para a Grécia, 123,4% para a Itália, 112,4% para Portugal, 99,1% para a Bélgica, 89% para a França, 88,4% para o Reino Unido, 84% para o Canadá. A dívida americana deve bater em 106,6% do PIB, segundo a mesma tabela.
Essa lista inclui algumas das maiores e mais ricas economias do mundo. Alguns de seus governos têm sido fortemente pressionados pelos financiadores, outros, nem tanto. Alguns têm sido pressionados em alguns períodos, como o da Itália. Outros, de modo mais persistente. O espanhol é um exemplo muito claro, embora seu endividamento seja o menor dessa lista.
“O rigor fiscal é incontornável, se queremos estabelecer fundamentos sólidos e um financiamento suficiente para o crescimento econômico de nosso país”, disse na segunda-feira o ministro de Finanças da Espanha, Luis de Guindos. Pode ser difícil persuadir o público espanhol dessa necessidade, mas é indispensável mostrar aos credores, de forma convincente, o compromisso dos governantes. Não adianta apontar o endividamento maior de outros Tesouros. Os financiadores querem saber da Espanha, agora, mas a qualquer momento podem retomar as pressões contra Grécia, Portugal, Itália e até França.
O mais duro defensor das políticas de austeridade tem sido o ministro de Finanças da Alemanha, Wolfgang Schaeuble. Mas até ele, num tom um pouco menos radical, admitiu uma ação mais ampla do Banco Europeu de Investimentos a favor de mais gastos em infraestrutura. Não chega a ser uma grande concessão, no entanto, porque isso pouco afetaria os esforços de ajuste iniciados pelos governos. O desafio permanece e foi destacado mais uma vez, no mês passado, por dirigentes do FMI: é preciso descobrir um meio de combinar as políticas de arrumação fiscal, consideradas indispensáveis, e medidas para a retomada do crescimento. Sem uma reativação das economias, admite-se claramente nas discussões do Fundo, até o ajuste dos orçamentos poderá ficar comprometido.
Mas essa combinação – isto é também ressaltado – dependerá da mensagem transmitida aos mercados. Planos críveis de médio prazo para o ajuste das contas públicas são indispensáveis para a combinação do jogo. Falta ver se serão suficientes e com quem os credores estarão dispostos a se comprometer. O pacto fiscal assinado pelos governos europeus há alguns meses poderia ser um primeiro passo para a criação de uma perspectiva de médio prazo, mas ainda não produziu esse resultado. François Hollande prometeu, na campanha, rejeitar ou renegociar esse pacto, se eleito presidente da França. Mera bravata?
Uma séria ameaça do calote poderia, talvez, levar os credores a cooperar. Que governo tomaria a iniciativa? Sem saídas como essa, resta a difícil tarefa de combinar o jogo.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 02/05/2012
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