A colenda Suprema Corte, ao analisar a criação, por medida provisória, do Instituto Chico Mendes, julgou o ato inválido por violação de regra constitucional cogente e imperativa. Especificamente, a medida do governo afrontou o art. 62, §9º, da Constituição Federal que, sem meias palavras, determina que “caberá à comissão mista de deputados e senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer”, antes de sua respectiva análise em plenário. Não demorou muito e os arautos do governo levantaram seus trompetes para condenar a decisão do Pretório Excelso, sugerindo uma indevida intromissão jurisdicional sobre assuntos de ordem exclusivamente política e, por assim ser, supostamente insindicável ao Poder Judiciário. Bem, se parássemos por aqui, os acontecimentos já seriam graves; ocorre que a gravidade é ainda maior.
Um dia após o julgamento, a questão voltou ser colocada em pauta por força de questão de ordem suscitada pela Advocacia-Geral da União. Objetivamente, foi alegado que havia ao redor de 500 atos legislativos eivados com o mesmo vício de inconstitucionalidade. Em outras palavras, se o governo baixou uma medida provisória por dia, ficou quase um ano e meio, sucessivamente, violando a Constituição. Se o comparativo não serve, há outro mais revelador: o governo, no exercício atípico legiferante de baixar medidas provisórias, desprezou em 500 oportunidades a alta dignidade do Congresso Nacional, ou melhor, o governo patrolou o Legislativo em mais de 1 ano e meio de medidas provisórias, faça chuva ou faça sol. Enfim, o governo viveu mais de 500 dias de ilegalidade.
Diante da gravidade da situação e dos riscos de instabilidade social de tão vultosa legislação viciada, o egrégio STF, por questões de segurança jurídica, determinou que os efeitos da decisão seriam de ordem prospectiva, ou seja, sem retroatividade. Tal deslinde, no entanto, não absolve e jamais absolverá o governo das inconstitucionalidades cometidas. Até mesmo porque violentar a Constituição traduz ato politicamente abominável e normativamente indigno. O impressionante é que ainda houve defensores sem lustro das medidas temerárias; apesar de todas as diabruras cometidas contra a Lei Maior, o governo conseguiu arregimentar fiéis e discípulos para a causa da suprema ilegalidade. O fato faz pensar que o governo é absoluto, capaz de tudo e qualquer coisa; a prepotência governamental chega ao ponto de calar a Constituição e desrespeitar abertamente o Congresso.
Não é preciso dizer que apenas governos ditatoriais e totalitários são absolutistas. Na democracia, não existe poder, partido, político, homem ou mulher absoluta. As instituições republicanas, dentro do paradigma de legalidade vigente, se impõem limitações recíprocas, evitando a superposição de um ou uns sobre outros. Infelizmente, alguns inquilinos do poder ainda desconhecem o que seja separação de poderes. Não duvido que chegará o dia em que pedir o simples cumprimento da lei será algo vergonhoso e constrangedor. Aliás, que dia é hoje?
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