Com Abel Holtz
O tema da incidência tributária sobre o consumo de energia elétrica tem sido objeto de inconformismo
O apagão ocorrido no Brasil na noite da terça-feira revelou a incapacidade de reação das autoridades ao problema que afetou milhares de pessoas. Uma saída teria sido acionar as inúmeras térmicas que estão paradas, cujo gás combustível é queimado por falta de consumo, e que estão sendo pagas exatamente para suprir a sociedade numa emergência como essa.
Esse não é o único problema que aflige o consumidor de energia elétrica brasileiro. Outra questão recente é o indevido reajuste de preços e tarifas da energia elétrica que consumimos por inadequação da metodologia contratual. Declarações de agentes do setor convergentes e contraditórias quanto ao montante do prejuízo imposto à sociedade nos dão conta que o prejuízo, ascende a R$ 1 bilhão por ano durante os últimos sete anos. Verdadeira fortuna que alguns afirmam ser desprezível quando dividido pela totalidade dos consumidores. Como entender essa postura?
Cabe entretanto ressaltar que, qualquer que venha a ser o montante definido como indevidamente pago pelos consumidores, que cerca de 50% (a metade) se constitui em tributos e encargos cujo montante pago foi recebido pelos governos dado a pesada carga tributária incidente nas tarifas de energia elétrica.
Ao pesarmos os percentuais envolvidos devemos lançar nossa atenção também para a medida provisória já convertida pela Câmara em projeto de lei e que se encontra em análise no Senado, pela qual os consumidores de todo o país deverão receber e pagar a compensação definida no dispositivo legal, aos estados que estarão sendo interligados ao sistema nacional de energia elétrica.
Pelo dispositivo em análise pelo Senado, estaremos pagando um percentualzinho a mais em nossas contas mensais, decisão que pode ser interpretada como uma penalidade imposta a nós consumidores que, na verdade, deveria se constituir um prêmio em decorrência da substituição das térmicas que supriam os estados, até então isolados, por energia de outras fontes incluindo as hidrelétricas, sabidamente mais baratas. Só que, cabe destacar, uma parte desse percentual adicional que iremos pagar será absorvida pelos governos sob a forma de tributos.
O tema da incidência tributária sobre o consumo de energia elétrica tem sido objeto de inconformismo de diferentes associações de agentes do setor e não é novo. Muitas manifestações a esse respeito têm sido formalizadas junto ao governo, mas, sem resposta. O sistema elétrico é a maior e melhor coletoria de tributos na visão governamental, e seria “imexível”.
Um aspecto que talvez passe desapercebido por parte do consumidor é que a interpretação dada ao Dispositivo Constitucional que define para a energia elétrica a incidência do ICMS como tributo único não estabeleceu a metodologia para sua aplicação. Hoje, aplica-se o tributo simplesmente à soma dos custos – desde a geração nas usinas até a porta do consumidor.
Ora, entre os custos arrolados existem despesas administrativas, como aquelas da ANEEL, custos com a prestação de serviços, como por exemplo com o transporte da energia desde a usina onde foi gerada até a conexão do consumidor e sua transformação em diferentes tensões. Esses custos poderiam ser enquadrados como “serviços de outra natureza” e taxados com uma alíquota menor que os 33% que a taxação definida para o ICMS. Se fosse adotada essa separação entre o que é energia elétrica e o que são serviços aderentes, poderíamos ter um preço para a energia menor que aquele atualmente imposto ao consumidor.
Cabe relembrar ainda que a metodologia atualmente aplicada não permite que a geradora destaque o tributo – ICMS – sobre o valor da energia que vende ao sistema. Isso impede que os impostos pagos, na fase de construção da usina, com a compra dos equipamentos e prestação de serviços possam ser compensados. Ao serem imobilizados, todos aqueles impostos pagos durante a construção são embutidos no preço de venda da energia nos leilões. Se fosse permitida a compensação, seguramente os preços de energia na origem seriam pelo menos 10% menores. Em compensação, também seria menor a parcela de tributos que os governos viriam a receber. Talvez esteja aí o motivo desse assunto também ser “imexível”.
Apresentados esses aspectos, os interesses do consumidor do chamado Mercado Regulado (ACR) – antes denominado de cativo, diga-se de passagem uma denominação muito mais apropriada – estão órfãos porque não existe uma associação capacitada a defender seus interesses, como os demais agentes do setor possuem.
A impossibilidade de defesa dos consumidores é inerente e a dispersão deles em todo o território nacional, por si só define a impossibilidade de haver uma representação adequada de seus interesses.
Cabe sim aos órgãos de governo a defesa de nossos interesses. O Ministério Público, o Procon e a Agência Reguladora têm que assumir esse papel de contestação para obter um regramento mais próximo da realidade do consumidor.
Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
Abel Holtz é diretor da Abel Holtz & Associados e consultor na área de energia e negócios.
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