Para fazer reformas e tirar seu país da estagnação, a ex-primeira-ministra britânica não hesitou em escolher um caminho de alto custo político
Ligas metálicas podem ser de dois tipos: as ferrosas, em que o ferro é o componente principal, e as não ferrosas, constituídas de outros metais. O ferro, além de resistente e de possuir propriedades magnéticas, é o elemento de núcleo mais estável da tabela periódica. Não foi à toa, portanto, que a única primeira-ministra na história do Reino Unido, Margaret Thatcher, recebeu a alcunha de Dama de Ferro.
Que o apelido tenha sido dado pelos soviéticos, os responsáveis pela Cortina de Ferro que a Dama posteriormente ajudou a derrubar, é mais do que mera coincidência. É uma deliciosa ironia, digna do humor nativo da ilha.
Uma figura controvertida até na morte — as manifestações depois do anúncio de seu falecimento foram elogiosas e críticas em igual medida —, Margaret Thatcher foi um exemplo de tenacidade e de magnetismo.
Apesar de ter escolhido o caminho mais árduo, aquele cujos custos políticos eram os mais elevados, para pôr em marcha os planos de transformação que tinha para o Reino Unido, conseguiu promover a vitória do Partido Conservador em três eleições consecutivas.
Governou o país de 1979 a 1990, uma época permeada por grandes crises externas e mudanças geopolíticas marcantes. A lista vai desde o longo período estagflacionário proveniente dos choques dopetróleo, os anos de crescimento baixo e inflação elevada que sobrevieram dos eventos no Oriente Médio na década de 70, até a abertura da União Soviética e a derrubada do Muro de Berlim, culminando na extinção da liga metálica que encobria os países do Leste Europeu, a Cortina de Ferro.
Ao longo desses anos, Thatcher manteve inabalada a convicção na eficiência dos mercados, na necessidade de tornar mais flexíveis as leis trabalhistas do país e de promover as indústrias mais competitivas, deixando que as demais caíssem no esquecimento e desaparecessem gradualmente.
Até sua ascensão ao posto máximo do governo, o Reino Unido enfrentava um período de ruidosa decadência econômica, imortalizada nas imagens das greves sucessivas dos carvoeiros e de outros trabalhadores, e dos aguerridos protestos promovidos pelos sindicatos, que ditavam os rumos do país e o desmoralizavam mundialmente.
A degradação econômica e política que caracterizara os anos do pós-guerra chegou ao auge em meados da década de 70. Quando Thatcher assumiu o poder, em 1979, a economia britânica crescia menos de 3% ao ano e enfrentava uma inflação de nada menos do que 13%.
Três anos antes, em 1976, o país recorrera ao FMI devido às crescentes dificuldades para reequilibrar as contas públicas e financiar o rombo no balanço de pagamentos. Passados dez anos depois de ela ter assumido a liderança política, o Reino Unido crescia 5% e alcançara a estabilidade de preços: em 1988, a inflação foi de 4,9%. Quem dera fosse esse o atual desempenho da economia brasileira…
A intolerância de Margaret Thatcher com a ineficiência desmantelou os grupos de interesse que emperravam a modernização e o aumento da competitividade do país. A primeira-ministra foi responsável por um dos mais ambiciosos e abrangentes planos de privatização de que se tem notícia, opôs-se ferrenhamente aos sindicatos e deu prioridade a setores em que o Reino Unido já possuía nítidas vantagens comparativas, como o polo financeiro sediado na City de Londres.
O que mais assombra ao relembrar as conquistas da Dama de Ferro é a profundidade das reformas que ela promoveu em tão pouco tempo. Dez anos. Em uma década, o Reino Unido foi da decadência à revitalização, reconquistando o espaço perdido na economia global e na geopolítica.
Hoje, o Reino Unido só não está emaranhado no torvelinho da crise do euro por causa de Thatcher e de sua inabalável determinação. “No, no, no”, bradou em meio às discussões no Parlamento sobre os planos de maior integração com a Europa. Por ironia do destino, a obstinação em evitar que a ilha se amalgamasse ao continente foi uma das razões para sua renúncia em novembro de 1990.
Pagar para ver
“Não sou uma política de consenso. Sou uma política de convicção” (“I am not a consensus politician, I am a conviction politician”). Não há, no mundo de hoje, políticos como Margaret Thatcher. Trata-se de uma época de políticos não ferrosos, de políticos excessivamente maleáveis. São políticos de consenso. O problema é que épocas de crise, ou de graves sequelas de crises, são incompatíveis com o consenso. O consenso não resiste ao fogo da polarização e do impasse político.
Exemplos abundam. Vejam os Estados Unidos, amarrados a um corte automático de gastos públicos nas áreas sociais devido à incapacidade de seus políticos de chegar a um consenso.
Vejam a Europa, onde muitos países já trocaram de governo por causa da falta de consenso. Alguns, inclusive, estão sem governo por esse motivo, como a Itália. Vejam o euro, à deriva em meio ao dissenso que prevalece entre os líderes dos países-membros do acordo de moeda única. O consenso se esvai na fumaça ardente das tensões.
Em todos esses casos, chamam a atenção não só a falta de consenso mas também a ausência de convicção. Não há líderes convictos, líderes com visão e determinação para transformar seus países, para levar a cabo as reformas que precisam fazer para tirar as economias do vórtice recessivo, do desemprego e da atividade moribunda. Ninguém quer pagar para ver. Margaret Thatcher, por mais polêmica que fosse, pagou para ver.
Aqui no Brasil, parece que queremos pagar para ver. Contudo, queremos pagar para ver o que não deveria ser visto. Enrijecemos as leis trabalhistas do país, indexamos o salário mínimo permitindo que o rendimento médio do trabalhador cresça acima da produtividade da economia, dificultamos os investimentos em infraestrutura por meio de políticas econômicas desconjuntadas e do excesso de intervencionismo do governo, criamos novas estatais.
O Estado brasileiro cresce desordenadamente, seja por meio da carga tributária elevada, seja por meio dos gastos que não param de subir ou do crédito público em demasia. Desmantelamos as agências regulatórias, revertendo os ganhos de eficiência conquistados em áreas como telecomunicações, em setores estratégicos como óleo e gás e de energia elétrica.
Deixamos que o excesso de burocracia prejudique o setor privado e impeça a retomada do investimento, sem o qual não sairemos da armadilha do baixo crescimento. Flertamos abertamente com a inflação. Nosso receituário é o inverso do implantado pela Dama de Ferro. É o receituário do latão, do material que amassa com facilidade, que oxida.
Nossa presidente é uma política de convicção. Nesse caso, antes fosse uma política de consenso.
Fonte: Exame.com
Monica Baumgarten De Bolle é uma economista de primeira linha, uma das poucas pessoas que falam sensatamente no Brasil de hoje. Dilma Rousseff é uma vergonha nacional, assim como o projeto de perpetuação política do PT. Pena que tanto na Venezuela, quanto na Argentina e aqui também, o populismo tenha ainda tanta força.
Aumenta-se o estado de bem-estar social, crescem os salários mas a produtividade diminui e o analfabetismo funcional parece ser a alavanca para que o Estado gaste fortunas sustentando pessoas improdutivas, quando não parasitas.
Chega de crédito público: quem não tem dinheiro que não compre.
Excelente o artigo.
O político brasileiro que se atreva a tomar medidas impopulares não se elege no pleito seguinte a ainda será chamado de vendalhão da pátria, mesmo que de tais medidas sejam duradoura e benéficas para gerações futuras.
Parabéns.