Os jornais noticiam diariamente o espetáculo de terror encenado pelos ônibus no trânsito da cidade, avançando sinais, parando fora do ponto, ignorando chamadas de passageiros, soltando-os no meio da rua, ultrapassando outros ônibus em fila dupla e tripla, usando acelerador como buzina, quando não jogam o tamanho de sua covardia de um Golias de aço contra um David ciclista em cima de sua magrela, com total destemor e certos de sua impunidade. Mas, a despeito disto, ou mesmo por causa disto, têm aumentado as manifestações dos ciclistas contra a impunidade de motoristas e empresas de ônibus do Rio.
Numa delas, testemunhei um dos ciclistas comentando com o outro: enquanto empresas de ônibus financiarem campanhas de políticos nada será feito e todos permanecerão impunes. Surpreendido com a lucidez do ciclista, pensei comigo mesmo: este é o retrato do estado de nossa cidadania, pois temos a mais absoluta consciência das razões últimas de nossa barbárie e achamos que não podemos fazer nada.
Com os códigos de processo penal e civil que temos, apenas uma parcela ínfima das ações propostas se conclui e pode ter suas sentenças cumpridas. Ou seja, ao contrário de outros países de cidadãos politicamente mais atuantes, o crime no Brasil compensa. Para além daquela manifestação, será que aqueles ciclistas cidadãos estavam acompanhando e assinando os manifestos pela reforma política que corriam nas redes sociais, inclusive com propostas específicas contra o financiamento de campanhas eleitorais por empresas? Será que estavam acompanhando também a ação proposta pela OAB ao STF, desde o ano passado, arguindo a inconstitucionalidade das leis que autorizam doações financeiras por empresas a candidatos e a partidos políticos? Ou seja, será que a consciência do nexo das grandes questões políticas nacionais e o fato ali concreto de mais um assassinato de um companheiro não os animaria à ação política contra as causas da impunidade e não apenas contra a mesma?
Afinal, por que os presidentes da Câmara e do Senado, numa única semana, optaram por esvaziar a iniciativa da PEC 33, que queria transferir do Supremo para o Congresso a última palavra em alterações à Constituição? Assim como a PEC 37 que pretendia retirar o poder de investigação do Ministério Público?
Torna-se vital a articulação das organizações da sociedade que monitoram o processo político, pois nossos legisladores só agem sob pressão e só assim rompem o ciclo vicioso da omissão.
Fonte: O Globo, 16/05/2013
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