Faz 15 anos que, ao completar a idade máxima para o exercício da magistratura, fui aposentado como juiz do Supremo Tribunal Federal. Assentei então, de mim para comigo, abster-me de qualquer apreciação acerca de decisão da Corte a que pertencera, e assim tenho procedido. E não pretendo infringi-la hoje, embora deseje fazer uma observação lateral a propósito da mais recente.
Faz mais de século, os pedidos de extradição endereçados ao Brasil, uma vez encaminhados ao STF pelo Poder Executivo, são por este processados e julgados. Desnecessário notar que nem todos os países adotam o sistema consagrado entre nós. Entre nós, desde muito, “compete ao STF processar e julgar originariamente a extradição solicitada por Estado estrangeiro”, art. 102, I, g. para repetir o texto de 1988.
Faz mais de século que vigora essa regra e durante esse largo período o STF processou e julgou centenas de extradições e nunca jamais foi questionada essa cláusula ou seu alcance, nem o Tribunal foi alvo de pressão e muitos menos de manifestação tribal dentro de sua sala de julgamento. Agora, algumas pessoas dela tiveram de ser retiradas, com seus ornamentos, pela polícia, e isso mostra o grau de aviltamento cívico a que chegamos. Eu me recordo da sessão, presidida pelo saudoso ministro Luiz Galloti, em que a Corte julgou a extradição de Stangl aqui homiziado. A casa cheia. Três Estados requeriam a extradição. Da defesa do nazista foi incumbido, como advogado dativo, Xavier de Albuquerque. Foi modelar. Modelar o voto do relator, Vitor Nunes Leal. A decisão foi unânime.
Agora, meio mundo, autoridades inclusive, opinou a respeito da extradição solicitada pela Itália e com o desembaraço peculiar ao apedeuta, lembrando veranistas do Direito Constitucional, de que falava João Mangabeira.
Era o que me pareceu oportuno observar a respeito da matéria, sem dizer uma palavra acerca da decisão da Corte. É claro que juízes ilustres também erram. Como erram os próprios tribunais. Aliás, e quem o disse foi Rui Barbosa, em se tratando das instituições humanas, alguém que julgue em último lugar está sujeito a errar sem que haja recurso. Mas a observância dos precedentes, consagrados pelo uso diuturno, em princípio, não faz mal a ninguém, até porque, convém lembrar, a atenção da autoridade para com o público, necessária e devida, não se confunde com a vulgaridade.
Esta, sim, é imprópria ao exercício da magistratura, do mais modesto dos juízes ao mais elevado dos tribunais. Ao que sei, nenhum país se aproxima do nosso quanto à publicidade da tomada de decisões, na Suprema Corte americana, por exemplo, as decisões são tomadas exclusivamente pelos seus juízes, a portas fechadas. Hoje, entre nós, a publicidade é constitucional. No entanto, há quem indague se a transmissão pela televisão das deliberações será benéfica à justiça, aprendi o que sei com o patrono dos advogados brasileiros, “a autoridade da Justiça é moral, e sustenta-se pela moralidade das suas decisões”.
(Zero Hora – 23/11/2009)
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