Enquanto o mundo alterna surtos de entusiasmo e decepção com o Brasil, Albert Fishlow pede serenidade e olhos no futuro.
Estudioso do país há décadas, ele acredita que nossa economia não vai conseguir escapar de aumentar investimentos e produtividade, ainda que ofereça oportunidades únicas.
Fishlow é diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos e do Centro para o Estudo do Brasil na Universidade de Columbia. PhD pela Universidade de Harvard, foi condecorado em 1999 com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul pelo governo.
O professor falará no centro do Rio de Janeiro na próxima segunda-feira, dia 30. O evento faz parte de uma série de palestras organizadas pelo grupo Ibmec com o tema “Metamorfoses do Brasil Contemporâneo”. Fishlow concedeu a seguinte entrevista exclusiva para Exame.com:
Exame.com: A nova capa da “The Economist” resume o movimento da narrativa global sobre o Brasil: da euforia à incerteza. O que mudou?
Albert Fishlow: Uma mudança tem sido o crescimento econômico mais baixo nos últimos dois anos, com o ministro da economia sempre citando previsões iniciais muito mais altas, e culpando os Estados Unidos e ocasionalmente políticas chinesas pelas perdas.
Outra tem sido a tendência de usar métodos questionáveis para inflar o superávit primário e a balança comercial, e aumento da dívida bruta sem mexer na dívida líquida, o que levou a uma política fiscal expansionária. E claro, o ritmo lento para lidar com infraestrutura e com o desenvolvimento dos recursos do pré-sal.
Exame.com: Os fundamentos econômicos do país são sólidos? O mundo está sendo injusto conosco?
Fishlow: A visão de fora tem uma tendência de exagerar os problemas, porque os Estados Unidos, a Comunidade Europeia e o Japão já estão lidando com uma desaceleração na Índia, Rússia e Turquia, além de dúvidas sobre a China.
O Brasil é um caso praticamente único no mundo: tem um setor agrícola produtivo, recursos minerais e de petróleo, e pode ser mais competitivo na indústria com uma política melhor para a taxa de câmbio.
Exame.com: A inflação tem sido uma causa de preocupação importante, mas parece ter se estabilizado, pelo menos por enquanto. É uma ameaça que está sendo subestimada ou exagerada?
Fishlow: A inflação se estabilizou, mas isso aconteceu em parte porque os preços administrados – da Petrobras, energia e transporte urbano – foram mantidos baixos.
O preço da comida, que estava em alta, caiu, mas os preços dos serviços – onde a competição externa é limitada – continuam altos e com pouca tendência de queda.
É uma questão recorrente, e o aumento da Selic é uma consequência. Mas o governo claramente quer evitar qualquer desemprego com a proximidade da eleição.
Exame.com: Qual você acredita que tem sido o principal fator limitando o desenvolvimento brasileiro atual?
Fishlow: A taxa baixa de investimento. O boom das commodities escondeu esta realidade por um tempo, mas agora ele acabou. O Brasil precisa de uma taxa de no mínimo 25%, dada toda a necessidade de infraestrutura, e não chega nem perto disso.
Exame.com: Ficamos presos na armadilha da renda média?
Fishlow: Não há armadilha, e sim uma taxa provável de não mais que 3% de crescimento. O crescimento do consumo, mesmo que popular, não pode impulsionar a economia. Só uma mudança de produtividade pode.
Exame.com: Você acredita que os protestos foram apenas um surto temporário ou marcam uma nova fase na política brasileira?
Fishlow: As coisas parecem estar voltando para onde estavam. Os protestos de rua contam apenas quando são capazes de influenciar as instituições políticas. Mas esta nova geração não vai ficar parada: eles querem ver uma resposta, e haverá oportunidades com a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Exame.com: Como você avalia a política econômica do governo Dilma Rousseff?
Fishlow: A presidente Dilma mudou a política econômica: ela lidera todas as decisões importantes. Ela sustentou e estendeu os avanços em política social da era Lula. Na política econômica doméstica, através das Parcerias Público Privadas [PPP], ela se distanciou da crença que o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] seria suficiente para engajar o setor privado e o investimento estrangeiro.
Isso está funcionando apenas lentamente, e os termos originais foram modificados muitas vezes. É aqui que a incerteza tem um papel importante: quem quer estabelecer um compromisso de 25 anos com uma taxa baixa pré-fixada?
Exame.com: Se você pudesse escolher uma única reforma importante que o Brasil precisa fazer o quanto antes, qual seria?
Fishlow: O investimento precisa subir. Uma forma de fazer isso é assegurar que o setor público se torne um poupador ao invés de um consumidor. Isso significa cortar os altos custos das pensões – acima de 12% do PIB [Produto Interno Bruto] atualmente – que respingam nos déficits do governo.
Outra emenda constitucional será necessária eventualmente. É um bom lugar para começar e para o setor público mostrar seu compromisso em fazer a taxa de crescimento crescer.
Exame.com: Nossas taxas de industrialização como parcela da economia atingiram recentemente níveis não vistos desde os anos 50. A desindustrialização é um problema para o país?
Fishlow: Uma taxa mais baixa de atividade industrial na medida em que a renda cresce se tornou uma característica comum na economia mundial. O Brasil oferecia um retorno alto para manufatura através de altas taxas protecionistas – que continuaram – e investimento externo. O setor automobilístico é um exemplo clássico.
Do outro lado está a Embraer, que exporta e importa substancialmente, e é altamente produtiva e internacionalmente competitiva. Ironicamente, o Brasil precisa de tarifas mais baixas para utilizar tecnologia doméstica e internacional e repetir aquela experiência em outros ramos de atividade. Fazer as coisas da forma antiga não vai restaurar o setor industrial.
Exame.com: Você é otimista ou pessimista em relação às perspectivas para o Brasil no médio e longo prazo?
Fishlow:– Continuo otimista. Fazer as pessoas prestarem mais atenção para o médio e longo prazo – e para políticas de continuidade da globalização e participação no comércio internacional – é onde o futuro está.
Fonte: Exame.com
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