O governo intervém na economia para, supostamente, corrigir falhas do setor privado. Mas nem sempre a intervenção do governo usa os incentivos corretos. E, pior ainda, muitas vezes incentivos que funcionam hoje perdem sua funcionalidade amanhã. O mercado, como se sabe, é mais rápido para perceber o problema do que o governo, embora isto não queira dizer que o leitor ansioso terá seu problema resolvido quando deseja. Mercado é rápido, mas não faz milagres.
O controle do tráfego aéreo, no Brasil (e em outros países) é responsabilidade do governo. E 2006 deixou um triste marco na conturbada história da atuação governamental na economia: o acidente do vôo 1907 da Gol. Nos momentos iniciais, achava-se que a culpa era dos pilotos estrangeiros do Legacy. Diziam os jornais dois meses depois do acidente: “parentes das vítimas responsabilizam pilotos do Legacy”. Embora não houvesse resultado nas investigações, a mídia e a população buscavam culpados. Pareceu-lhes, naquele momento, que era razoável culpar os tais pilotos.
Contudo, com o passar dos dias, outras notícias surgiram. Primeiro apareceram evidências de que havia problemas do lado da oferta do controle de tráfego: os controladores não teriam atuado, no dia do desastre, com a supervisão necessária. A população começou a notar problemas na versão inicial sobre os pilotos do Legacy (um dos passageiros do jatinho também tem se dedicado a esta polêmica). Em seguida, noticiou-se outro problema notável do controle de tráfego aéreo. Neste último caso, embora não tenha ocorrido acidente mais sério, é aterrorizante ler que:
O mais grave, de acordo com um dos presentes, é que o episódio não foi registrado em um relatório de incidentes (RI). Isso seria uma forma de proteger o controlador que, por algum motivo, estava desatento ou muito atarefado. Havia perto de 14 aviões na tela, o limite pelos padrões internacionais. Um dos pilotos ainda pode relatar o ocorrido e, neste caso, o problema seria maior ao se verificar que o controlador e o supervisor omitiram o caso.
Acompanhar os jornais nas semanas que seguiram é interessante porque se percebe como a responsabilidade (a “culpa”, no dizer do povo) do acidente passou dos pilotos do Legacy para os que não podem responder, humanamente, pelos seus erros. Em seguida, os controladores iniciaram uma operação de protesto (uma espécie de “operação lingüição” que as empresas de ônibus aliadas aos sindicatos de seus funcionários promovem de vez em quando, só que no ar) de conseqüências difusas para todos os consumidores de viagens aéreas que, sim, hoje em dia, não incluem somente a tal “elite”. O clímax da semana foi o “super-apagão”, que parece estar sendo tratado simplesmente como uma falha técnica.
Este quadro todo nos leva a algumas ponderações: existe um problema que o governo não consegue resolver. Um problema que, aliás, possui vários aspectos. O primeiro, simples e que é um direito dos parentes dos falecidos: quem foi o responsável? As famílias – e boa parte dos eleitores – parecem acreditar que é justo saber quem foi o responsável e como será punido. Mas isto não parece ser o objetivo do governo como se lê abaixo:
O comandante da Aeronáutica anunciou ainda que, na semana que vem, a Comissão de investigação do acidente entre o Legacy e o Gol vai apresentar um segundo relatório parcial das apurações das causas do choque aéreo. Bueno lembrou que tudo está sendo investigado e que as apurações não têm objetivo de punir ninguém. De acordo com o primeiro relatório parcial as investigações ainda irão durar até julho do ano que vem.
Outro problema é econômico. Se o governo aumenta a carga tributária a cada ano que passa e também aumenta seus gastos, por que os controladores estão (supostamente) em greve, insatisfeitos? Levantamento do Contas Abertas mostra que há problemas nas despesas do setor e estes não se resolvem apenas com a compra de novos radares. Radares não respondem a incentivos, pessoas sim. E os incentivos, neste caso, resumem-se em algum tipo de política de pessoal. Em Gasto Público Eficiente – 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil , Gilberto Guerzoni Filho chama a atenção para este lado normalmente negligenciado das “macro” propostas de ajuste fiscal. Outro ponto importante é a coragem de se discutir o problema da regulamentação do direito de greve (também citado no livro).
Há muito mais para se dizer a respeito, claro. Mas os fatos parecem apontar para um problema normalmente negligenciado pelos amantes da visão iluminada da intervenção do governo na economia: ela tem falhas. E falhas que podem matar. Não um ou dois, mas muita gente. E nada disto tem a ver com lucros ou egoísmo individual. Tem a ver com um governo que cresce, tanto em termos de carga tributária ou em termos de gastos (em percentual do PIB) há anos e, quando defrontado com o problema do “apagão aéreo”, embarca no “Aerolula” sinalizando para a população que, infelizmente, quem pode levar vantagem em tudo, neste país, leva.
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