Na semana passada, meu amigo Richard Moneygrand comentava como a vida imita a arte a partir de um conto de O. Henry – um dos mais aguçados observadores da vida americana dos 1900.
Era a história de um sujeito que havia escolhido um estilo de vida marginal. Fugia do trabalho, morava nos parques e, por isso, passava os invernos na prisão.
Tal como o sujeito que se entregou à polícia diante do tenebroso inverno americano estampado nos jornais de hoje, o personagem da ficção de ontem planejava passar o inverno no agasalho de um xadrez.
O interessante é que O. Henry revela como pode ser complicado ser preso, diz Moneygrand, retomando a história. Ele tenta todas as rotinas e quando, no limite, decide assediar uma moça para ser posto na cadeia, ela lhe oferece um programa!
Desesperado pela frustração, o malandro descobre a paz de uma igreja onde se ouve um cântico religioso. Comovido pela música, ele decide mudar de vida. Quando caminha em direção ao seu novo destino, encontra cara a cara com um guarda. “O que você está fazendo?”, pergunta o homem da lei. “Nada!”, responde o regenerado, recebendo voz de prisão pela vagabundagem que o levou, tal como ele planejava, à contraditória segurança de uma prisão (americana, é claro!).
Renovamos as bebidas.
– E o caso de Lady Gaga salvando o rapaz que queria suicidar-se? Pergunto ao meu amigo.
Aqui – diz Moneygrand -, a vida surge na potência dos encontros entre os extremos sociais. De um lado, a celebridade na qual projetamos tudo de bom (ela existe precisamente para isso); e, do outro, alguém vivendo a terrível experiência de chegar ao fundo do poço.
Quando os extremos se encontram, você testemunha o drama das relações polares: os gênios encontrando os pobres de espírito; os poderosos encontrando os comuns; os muito ricos diante dos miseráveis. Os santos (que vivem a paz da eternidade) aparecendo para os puros de coração (que, entretanto, convivem com a mortalidade e o sofrimento).
O mundo real treme e soluça nesses encontros.
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Se você visitar, prosseguiu o meu amigo, na Universidade de Nova Caledônia o Bar dos Veteranos, lá – depois de uns copos de cerveja – todos vão lhe explicar “a teoria do sucesso”. Ela tem três proposições ou princípios:
1. Você sabe que tem algum sucesso quando alguém o reconhece em algum lugar. 2. Você sabe que tem muito sucesso quando todos o reconhecem em todos os lugares. 3. Você sabe que é uma celebridade quando as pessoas duvidam que você esteja no lugar onde elas estão!
Isso ajuda a compreender o desejo de tocar no ídolo e o arrebatamento dos “fãs”. Uma palavra que vem de fanático – aqueles que aderem a uma divindade e por ela se consideram inspirados. Ora, o fanzoca de hoje é uma encarnação do velho devoto.
Aquele que situa o seu ídolo numa esfera superior. Daí a convulsão do encontro pessoal que suprime a distância. Supressão sempre delicada porque se ao famoso é atribuído aquilo que nos falta; pode também acontecer a descoberta que, de perto, a celebridade é uma besta quadrada.
Contaram-me que quando o “artista de cinema” Errol Flynn veio ao Rio, uma mulher escondeu-se no seu guarda-roupa e o assediou quando ele queria dormir. A celebridade não tinha a posse de si mesmo.
Um outro folclore cerca a mãe do cantor Tony Bennet. Ela estava gravemente enferma num hospital quando, no rádio, ouviu uma entrevista de Frank Sinatra que era indagado sobre quem seria o maior cantor dos Estados Unidos. Quando a moribunda ouviu Sinatra responder: Tony Bennet! -, ela imediatamente ficou boa e deixou o hospital.
Finalizo, disse o prof. Moneygrand, com uma parábola verdadeira, escrita pelo próprio santo no seu diário. No caso, o grande ator shakespeariano Richard Burton, que foi casado com Elizabeth Taylor (considerada a atriz mais linda do mundo), conforme ele próprio conta no livro The Richard Burton Diaries publicado pela Yale University Press em 2012.
R. Burton fazia um passeio de iate pelo lado mais pobre da Sardenha quando ele e seu grupo resolveram assistir a uma pelada de futebol jogada pelos jovens do local. Foram para a praia até que um dos jogadores, muito excitado, disse para os amigos: “É Richard Burton. É ele! É verdade, é verdade!”. Felizmente, diz o autor, não acreditaram nele e o grupo ficou em paz. Mas um residente incrédulo comentou, certamente movido pelo quilate do santo, “O que, afinal de contas, Richard Burton, poderia estar fazendo naquela merda de lugar?”.
Revelação profunda de como a celebrização e o vagabundo que não põe a coroa de espinhos do pobre explorado são feitas pelas pessoas banais que, afinal de contas, tocam o mundo. E, ainda por cima, amam os oprimidos pelo poder, pelo dinheiro e pelo talento.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/01/2014
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