A onda de greves que se espalhou pelo país, de funcionários públicos, como professores, ou de categorias privadas, como rodoviários e vigilantes, acendeu um debate sobre os limites de cada lado: de um, o trabalhador, que reivindica melhorias, do outro, a própria população, que sofre as consequências da paralisação dos serviços. A questão chegou a um ponto tal de ebulição que, na última segunda-feira, antropólogos, sociólogos e pesquisadores de várias instituições brasileiras assinaram um manifesto público pedindo um basta nos abusos, como o bloqueio de vias públicas, em especial nos horários do rush, que afeta diretamente o direto de ir e vir. Até ontem, o documento já reunia mais de 300 assinaturas.
O manifesto ressalta que o direito de manifestação, assim com o de greve, deve ser preservado dentro dos limites legais. “Exigimos que nossos direitos constitucionais sejam garantidos, não aceitamos vê-los usurpados por pequenos ou grandes grupos que têm direito de se manifestar, mas não de impor seus pontos de vista”, diz o texto.
Efeito negativo para a cidade
Um dos que encabeçam o movimento é o presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), o sociólogo e cientista político Simon Schwartzman. Ele diz que andar no Rio de Janeiro ficou “insuportável” e chama a atenção para os problemas causados pela greve dos rodoviários na rotina da cidade.
— Acho que não podemos permitir que os protestos e as greves não aconteçam, mas, definitivamente, eles não vêm ocorrendo da forma adequada. As pessoas têm o direito de greve, de se expressar. É legítimo. Mas há uma estrutura legal e democrática para que sejam atendidas as reivindicações dos grevistas. Não se pode colocar toda uma sociedade envolvida nisso. Se você para os ônibus, as pessoas não vão estudar nem trabalhar. A sociedade também tem o direito de não ser prejudicada — defende, acrescentando que a negociação salarial compete a operários e patrões e não pode prejudicar a sociedade. — Há regras que precisam ser seguidas: um tribunal para decidir se a greve é abusiva, uma Justiça que determina o dever de manter os serviços essenciais em funcionamento. O que temos visto é que a economia está sendo sacudida pelas sucessivas greves. Se você cria uma situação de caos, traz um efeito negativo para a cidade.
Antropóloga da UERJ, Alba Zaluar também é uma das signatárias do manifesto. Ela afirma que não estão sendo respeitados critérios para garantir o fluxo de vias públicas essenciais:
— Todo mundo é prejudicado. Analiso isso como um abuso. Muitas vezes, são 100 ou 200 manifestantes que se acham no direito de fechar tudo e influenciar a vida das pessoas que estão indo para o trabalho ou para um tratamento no hospital. Já vi um monte de ambulância pelo caminho. Sem contar o prejuízo que causa à cidade, o estresse, que mexe com o psicológico da população. Façam as suas reivindicações, mas não há necessidade de se fechar o trânsito.
Para o professor de estatística do Instituto de Matemática da UFRJ Dani Gamerman, há uma inversão de valores perigosa.
— As pessoas têm o direito de se manifestar, mas é um absurdo um grupo que, às vezes, não passa de 50 pessoas, interferir no direito de ir e vir de milhares de cidadãos. E o poder público achar normal. O Estado tem que exercer o monopólio da força para garantir a rua para todos — critica.
O não cumprimento de regras legais — como, por exemplo, avisar sobre a greve com antecedência — está por trás de boa parte dos problemas. A opinião é do professor de estatística do Instituto de Matemática da USP, Carlos Alberto Bragança Pereira, outro que aderiu ao manifesto.
— Algumas manifestações são legítimas. Outras, não. No caso dos rodoviários de São Paulo, ninguém sabia sequer com quem negociar. Estão faltando regras claras, punições exemplares. Isso cria uma situação ruim para quem não tem nada a ver com aquele evento — afirma Pereira.
No meio jurídico, não faltam críticas. Professor de Penal da PUC, Breno Melaragno diz que as manifestações têm criado um transtorno permanente:
— Há de haver um equilíbrio entre o direto de livre manifestação e o direito de ir e vir. Não são manifestações isoladas. Elas ocorrem o tempo todo.
Daniel Andrés Raizman, professor de Direito Constitucional da UFF, é outro inconformado com os abusos:
— É preciso garantir a prestação do serviço. O princípio da razoabilidade tem que ser respeitado.
Fonte: O Globo
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