Mais de 70% das atividades de formação continuada de professores no Brasil têm baixa eficácia e aplicabilidade, deixando o docente desmotivado e sem tempo para continuar com os estudos. Os métodos mais eficazes, as tutorias, são adotados apenas por 2% das escolas do país. Estas são principais conclusões do estudo “Formação continuada de professores no Brasil”, feito pelo Instituto Ayrton Senna (IAS) em parceria com The Boston Consulting Group (BCG), consultoria multinacional de gestão empresarial. A pesquisa, inédita, foi divulgada na tarde desta segunda-feira em São Paulo, em cerimônia que contou com a presença do ministro da Educação, José Henrique Paim.
O estudo ouviu 2.732 educadores entre novembro de 2012 e março de 2013, sendo diretores de escolas (51%), coordenadores pedagógicos (18%) e professores (26%). A partir das respostas, a pesquisa identificou os principais entraves para a formação continuada de docentes no Brasil e traçou linhas de ação para a capacitação dos profissionais.
Mais de 70% dos profissionais consultados no estudo disseram que as atividades oferecidas em sua escola são de caráter coletivo e “fora da sala de aula”, como acesso a material didático, reuniões pedagógicas e participação em eventos. Para os pesquisadores, esse enfoque em práticas conjuntas e mais distantes do cotidiano escolar “resulta em iniciativas de baixo impacto na melhoria do ensino”.
Ao serem perguntados sobre como suas escolas oferecem formação continuada, 14% disseram que o projeto se dá por oferta de material didático. Outros 14%, responderam que têm horário de trabalho reservado para atividades pedagógicas coletivas, 9% alegaram que mantêm encontros com supervisores e outros 9% afirmaram que fazem cursos a distância.
Em uma das perguntas, foi pedido para que profissionais da área dessem notas de 1 a 5 para os principais desafios da formação continuada, sendo 5 o grau máximo de dificuldade. No topo da lista tanto de professores quanto de diretores ficou a “lacuna de incentivos”, com média geral de 2,9. De acordo com o estudo, isso seria decorrente da baixa percepção por parte de professores e diretores de que a continuação dos estudos pode lhes proporcionar ascensão profissional.
Em seguida, para os dois grupos, os itens que mais atrapalhariam a formação continuada seria a “escassez de tempo” e a pouca “aplicabilidade do conteúdo”. Tanto o professor quanto o diretor convergiriam ainda ao apontar que há falta de priorização de outras iniciativas que não formação, falta de alinhamento das ações de formação continuada e elevada rotatividade dos professores. Esse último item, segundo o estudo, seria agravado ainda pelo alto número de professores com contratos temporários. Dados do Censo Escolar de 2012 mostram que existem 507.166 professores temporários e 1.327.526 efetivos no Brasil.
– Um dos pontos que mais atrapalha é a troca de governos municipais e estaduais. Cada gestão traça um plano de formação continuada, com parcerias de diferentes universidades. E com isso, a cada troca de governo, temos um novo plano. É uma formação ‘descontinuada’ – critica o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o cientista político Daniel Cara.
As percepções, contudo, não são homogêneas em todos os estados do país. Enquanto profissionais do Sudeste, por exemplo, elegem a escassez de tempo como um dos principais entraves para a continuação dos estudos, em grande parte do Sul e em Rondônia, Tocantis e parte do Nordeste, este é um considerado um “desafio leve”. Por outro lado, se nos estados do Norte, é a alta rotatividade dos professores o maior culpado, no Rio ela seria encarada com mais facilidade pelos educadores.
De acordo com o estudo, as disparidades regionais demandariam abordagens diferenciadas para a formação continuada, inclusive na questão curricular. A pesquisa ressalta que uma das maiores dificuldades seria responder a essa questão: como produzir um material que sirva ao professor de São Paulo e ao do interior da Região Norte?
– Tirando situações que envolvam questões mais neutras como o ensino de fração na Matemática, o ideal seria que cada lugar desenvolvesse suas práticas de formação continuada, obedecendo as realidades locais. No entanto, para que isso ocorra, o MEC tem que estabelecer desde já uma diretriz curricular comum, coisa que ainda não temos – afirma Maria Helena Guimarães de Castro, diretora executiva da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e uma das educadoras que participou do estudo.
Tutoria pedagógica e plano de carreira
Além do panorama geral, o estudo também traça planos para implementar de modo eficaz a formação continuada. Uma das principais soluções sugeridas pelo estudo é a tutoria pedagógica ou professores-tutores nas redes de ensino. O estudo cita ainda o caso da rede estadual de Goiás, que implementou a prática e agora colhe os frutos. Lá, docentes são supervisionados por colegas mais experientes e outros educadores, além de receberem avaliações de desempenho e “feedbacks” e manterem reuniões frequentes com suas equipes pedagógicas. Em contraste, apenas 2% dos entrevistados no estudo disseram receber esse acompanhamento.
Os pesquisadores chamam atenção ainda para a urgência de se institucionalizarem planos de carreira que estimulem a qualificação do profissional. Vale lembrar que essa é uma das 20 metas do Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado mês passado pela presidente Dilma Rousseff.
Natália Souza sabe muito bem a importância dos estudos. Professora de História na Escola Sesc, de ensino privado, e de uma escola municipal na comunidade de Cidade de Deus, no Rio, Natália conta que percebe bem como cada rede lida com a questão da formação continuada. Enquanto na escola particular paga seus estudos de pós-graduação, a rede municipal lhe dá acréscimo de R$ 200 por titulação de mestrado.
– Na rede pública, não há oferta nenhuma. A iniciativa tem que partir de nós. Eu fiz mestrado porque eu quis e porque houve incentivo da Escola Sesc. É uma pena, porque nos sentimos mais seguros ao lecionar depois de um curso de reciclagem – afirma a professora.
Fonte: O Globo.
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