Desde os choques do petróleo ocorridos na década de 70 que o mercado de combustíveis no Brasil é caracterizado por uma ciclotimia. Nos anos 60, antes dos choques do petróleo, a gasolina era dominante no uso veicular e o Brasil exportava excedentes de diesel. O primeiro choque do petróleo, no início da década de 70, trouxe alterações marcantes.
O governo, preocupado com o impacto do preço dos derivados sobre a inflação, transferiu o aumento do petróleo no mercado internacional somente para os preços da gasolina, subsidiando o diesel. Essa política levou a um fenômeno que ficou conhecido como a “dieselização”.
Em 1975 ocorreu o lançamento do Programa Nacional do Álcool — PróÁlcool.
Inicialmente, o governo obrigou a mistura de álcool anidro à gasolina e, diante do segundo choque do petróleo ,em 1979, incentivou as vendas dos veículos a álcool hidratado, o que serviu para reduzir ainda mais o mercado da gasolina. Assim, as décadas de 70 e 80 foram caracterizadas pela perda do mercado de gasolina para o álcool e o diesel.
Com a queda do preço dos derivados de petróleo no contrachoque do petróleo, a partir da segunda metade dos anos 80, o álcool começou a perder competitividade frente à gasolina.
O golpe final veio com o desabastecimento do produto no fim da década, que desacreditou o veículo a álcool. Com isso, a gasolina voltou a recuperar uma parcela do mercado durante os anos 90.
Nos primeiros anos da primeira década de 2000, três fatores trouxeram uma nova fase para o mercado nacional de combustíveis: o retorno dos altos preços do petróleo, a expansão das redes de distribuição de gás canalizado viabilizada pela chegada do gás natural da Bolívia e o surgimento dos veículos flex-fuel. Nesta nova fase houve o aparecimento do GNV, um combustível até então desconhecido do consumidor brasileiro, e o retorno do crescimento do consumo de álcool.
A diferença nesta nova fase é que a competição entre os três combustíveis se dá na hora de o consumidor reabastecer, já que os novos veículos podem utilizar qualquer um deles.
Ao invés de deixar o mercado funcionar fixando políticas que promovessem a competição entre os três combustíveis, o governo ao primeiro sinal de uma possível falta de gás natural passou a não incentivar mais o uso do GNV. Agora, assustado com o aumento dos preços do etanol hidratado e com uma possível crise de abastecimento, anunciou que vai reduzir a mistura de etanol anidro de 25% para 20% na gasolina a partir de primeiro de fevereiro até primeiro de maio de 2010. Em 2009, os preços do etanol hidratado acumularam valorização de aproximadamente 50% e o seu consumo cresceu 24,4% em relação ao ano de 2008, enquanto o da gasolina, apenas 0,04%. Tudo isso impulsionado pela enorme venda de carros flex. Essa redução da mistura de etanol anidro na gasolina trará algumas consequências imediatas no mercado e podem significar o inicio de um novo ciclo nos combustíveis liderado pela gasolina. A primeira consequência imediata é o aumento do preço da gasolina na bomba. A segunda é que a Petrobras se beneficiará dessa mudança na mistura. Isso porque venderá mais gasolina no mercado interno, que atualmente tem preço mais elevado que no mercado externo. Atualmente, a gasolina no Brasil é 20% mais cara do que no mercado internacional. As distribuidoras também serão beneficiadas, já que as margens da gasolina são melhores do que as do etanol.
E por que um novo ciclo da gasolina? Porque descobrimos o pré-sal. O anúncio da construção de seis refinarias pela Petrobras para processar o petróleo produzido ameaça o etanol e as demais fontes renováveis, pois a promessa do governo de que os derivados produzidos serão exportados pode não ser cumprida. O mercado mundial de derivados apresenta sazonalidades no consumo e volatilidade de preços, e há sempre o risco de essas refinarias passarem por momentos de ociosidade. Nesta situação, pode ser mais interessante para a estatal inundar o mercado interno com derivados a preços artificialmente baixos, trazendo enormes prejuízos aos investidores de etanol. Esta ameaça torna-se ainda mais concreta se houver políticas governamentais populistas de subsídios aos derivados, o que não é raro no Brasil. A conferir.
(“O Globo” – 05/02/2010)
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