Quando Bolsonaro afirmou que “no fundo, não gostaria de fazer a reforma da Previdência”, expressou o dilema comum a qualquer governante frente a reformas deste tipo. A forma clássica de ocultar a responsabilidade política por reformas impopulares é delegando-a a terceiros. E isto é o que estamos observando.
Reformas da Previdência têm custos concentrados e benefícios difusos. Elas impõem perdas a grupos específicos, mas o crédito político sobre seus benefícios de longo prazo dissipam-se devido a maior visibilidade de perdas versus ganhos. As reformas são ditadas pela elevação da expectativa de vida da população e pelo legado anterior da política. Se adiadas por muito tempo (devido a populismo macroeconômico e/ou boom de commodities), não há como fugir delas.
O cientista político Kent Weaver refere-se à dinâmica política destas reformas como a “política da imposição de perdas” em que os governos buscam escapar da armadilha da culpa” (“blame trap”).
Assim a reforma (PEC 6/2019) foi apresentada como do ministro Paulo Guedes, não do presidente. A barganha legislativa, por sua vez, foi delegada à Casa Civil e aos presidentes das casas legislativas.
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Mas obviamente a questão se complicou porque Bolsonaro ascendeu à Presidência rejeitando fortemente a barganha congressual. Em suma, a estratégia dotada pelo governo visou minimizar a exposição do presidente tanto na autoria da proposta quanto na barganha necessária para sua aprovação. No entanto esta terceirização da responsabilidade pela aprovação da reforma esbarrou em Rodrigo Maia. Embora seja uma janela de oportunidade para que ele exerça liderança —o que tem ocorrido—, ela é potencialmente custosa.
Há outras formas de viabilizar reformas impopulares que estão também presentes na PEC 6: regras de transição (que postergam ou arrefecem o impacto sobre grupos afetados), e a compensação dos perdedores. O reajuste salarial dos militares e a execução de emendas orçamentárias de parlamentares são exemplos claros de compensação de perdas. E claro, há forte apelo à justiça distributiva —“a reforma elimina privilégios”— o que ajuda a mitigar os custos políticos envolvidos.
O não engajamento do presidente na reforma tem assim bases racionais. É certo que parte do dilema deve-se ao discurso de rejeição à barganha legislativa adotado pelo presidente que a reduz à corrupção tout court. Mas isso é apenas parte da explicação.
A questão fundamental é se o envolvimento pessoal e público do presidente é pré-requisito para aprovação de reformas deste tipo. A experiência internacional ou brasileira (governos FHC ou Lula), na realidade, sugere que não.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 29/04/2019