Amaury de Souza e Bolívar Lamounier, “A Classe Média Brasileira – ambições, valores e projetos de sociedade” (Editora Campus/Elsevier, 2009).
O crescimento da classe média nos países emergentes é talvez o fenômeno social e econômico mais importante desde as últimas décadas do século 20. O Brasil tem parte expressiva nessas tendências. Impulsionados pelo aumento do emprego e da renda, em condições de inflação baixa e crédito farto, milhões de brasileiros puderam aumentar nos últimos anos o seu poder de compra e adquirir os símbolos mais vistosos de ingresso na classe média, como casa própria e automóvel, além de uma vasta gama de bens de consumo. Estas constatações suscitam importantes interrogações. Que devemos entender por classe média No Brasil, especificamente, serão sustentáveis os índices de expansão do que se tem denominado a “nova classe média” ou muitos dos que acabaram de ascender socialmente estão ameaçados de voltar para a pobreza? A classe média poderá ser um agente fundamental na desejada revisão de valores sociais e fonte de apoio para a democracia e uma economia competitiva? Baseado em análises históricas e pesquisas de opinião, este estudo tenta dar respostas às questões acima sob os ângulos do consumo, empreendedorismo, educação, política e valores.
Confira a resenha de João Carlos de Oliveira sobre o livro:
A caminho da classe média, com ideias próprias de participação*
Ascensão social de milhões de brasileiros não dispensa reformas capazes de dar estabilidade à continuação de um processo que está apenas em seu princípio
Há um fenômeno global e brasileiro de máxima importância social, econômica e política neste início de século: o surgimento de uma nova classe média. Nos países de economia emergente, 400 milhões pertencem a esse segmento e até 2030, estima-se, mais dois bilhões de pessoas serão incorporados. No Brasil, apenas no período entre 2002 e 2008, o conjunto das famílias que ganhavam, em termos reais, entre R$ 1,1 mil e R$ 4,8 mil passou de 44% para 52% da população. Nos anos 2000, cerca de 26,9 milhões de brasileiros foram incorporados à classe C.
A estabilidade econômica, o aumento da renda e a crescente oferta de crédito aproximaram esses brasileiros do padrão de consumo da chamada classe média tradicional – que percebe mais de R$ 4,8 mil por mês de renda média familiar. São esses os fatores que ajudam a explicar o fato de que, hoje, na classe C, 69% têm casa própria, 22% têm carro, 100% têm TV em cores, 89% têm telefone celular, 52% têm computador e 34% têm e usam banda larga. Foi o consumo, enfim, que os incluiu.
Não é por acaso, portanto, que os cientistas políticos Amaury de Souza e Bolívar Lamounier definem que a “classe C deixa de ser ‘baixa’ e começa a ser ‘média'” em livro agora publicado.
O verbo utilizado – “começa” – dá ideia de que o alargamento da classe média no país ainda não se completou. Além disso, eles salientam que o fenômeno de megamobilidade social, vista no Brasil e em outros países de economia emergente, não deve ser analisado como resultado de estratégias individuais de ascensão social, mas como fruto de uma nova estratificação social que se está construindo. Essas transformações repetem processos que levaram os Estados Unidos, por exemplo, a ter 90% de sua população de classe média.
O que não quer dizer que esse crescimento do peso da classe média seja natural ou inevitável. Ao contrário. Entre 1990 e 2004, por exemplo, enquanto a classe média quase dobrava de tamanho na maioria dos países de economia emergente, na vizinha Argentina ela encolhia de 46% para 34%. Ou seja, o processo depende, sim, das escolhas de política econômica, do cenário político e, claro, das circunstâncias.
No texto, os autores defendem a necessidade de o Brasil retomar uma agenda de reformas, para que o processo de alargamento da classe média brasileira não se frustre. Lembram, por exemplo, que a distribuição de renda no país permanece como uma das piores do mundo e que será preciso desmontar as barreiras que separam os setores formal e informal da economia.
O foco do livro não é o debate macroeconômico, mas o que os autores chamam de fatores weberianos ligados à motivação e à autocapacitação (educação, empreendedorismo etc.) e de formação de valores sociais e políticos. Seu conteúdo é o resultado de estudo patrocinado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que começou com pesquisas quantitativas e qualitativas realizadas pelo Ibope em novembro de 2008, passou por workshops e foi desenvolvido por Souza e Lamounier. Não faltam artes e tabelas ilustrativas. Pena que todas tenham sido feitas em nuances de preto e cinza, dificultando sobremaneira a leitura.
Em 182 páginas, com sete capítulos e um apêndice sobre estratificação ocupacional, os autores traçam um rico perfil dessa parcela de brasileiros, revelam algumas de suas crenças, comportamentos e valores, debatem o peso econômico e político que podem desempenhar e colocam em questão a sustentabilidade desse processo. Afinal, os brasileiros que compõem a classe C ampliaram seu consumo se endividando (via crédito) e não está claro se terão capacidade para gerar renda no futuro suficiente para manter ou melhorar o padrão de vida recém-conquistado. É sintomático, por exemplo, que o grande temor e preocupação para a maioria (53%) seja mesmo perder renda ou o emprego ou ver falir o próprio negócio.
Entre aspectos que mais cham a atenção no livro está a mentalidade estatista, que os autores frisam ser um dos entraves para o desenvolvimento no país do empreendedorismo. Os entrevistados acreditam que o poder público deve intervir na economia, inclusive controlando preços, e que deve ficar nas mãos do governo a parte dominante da seguridade social (88%), saúde (88%), educação fundamental (87%) e universidades (78%).
A educação continua a ser vista como instrumento fundamental de ascensão social. Mas há grande insatisfação com o sistema educacional, que se manifesta em dois aspectos: aumento da procura por educação profissional e técnica e crescente demanda por uma política de cotas (etnias, pobreza ou estudantes do ensino público) para ingresso na universidade.
Outro aspecto é a política. A arrasadora maioria (entre 92% e 98%, dependendo do nível de escolaridade) avalia que os partidos não se interessam por conhecer as aspirações e preferências do eleitorado; 88% concordam com a ideia de que a política é tão complicada que não se consegue entender o que acontece; e 87% acreditam que tirar proveito é a principal motivação de quem entra na política.
As forças armadas, o governo, o Judiciário, o Congresso e a polícia despertam confiança em menos de um terço dos entrevistados. Somente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se sai razoavelmente, contando com a confiança de mais da metade desses brasileiros menos escolarizados (53%).
*João Carlos de Oliveira
Fonte: “Valor” de 23/02/2010
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